terça-feira, 17 de setembro de 2019

Quatro haikus de Kobayashi sobre animais - Letra A


I. 

as abelhas
em volta do poste - 
reunião de condomínio


II.

como se não mais
pudessem regressar
as andorinhas rodopiam no ar


III.

o pinheiro do ano novo
já chega podado
pela boca do antílope-cabra¹


IV. 

vassoura pendurada - 
a aranha no canto
está tranquila




Kobayashi Issa (1763 - 1827) ²









(Tradução de Joaquim M. Palma in "Kobayashi Issa: Os animais - haikus", Assírio & Alvim, 2019.)










(1) O antílope-cabra japonês, Capricornis crispus, é um animal selvagem que vive em terrenos montanhosos. 




(2) Nasceu Kobayashi Yataro, numa aldeia do actual distrito de Nagano. O seu pai era fazendeiro, e apesar da vida aparentemente estável cedo o pequeno Yataro se privou de mãe. O pai tornaria a casar e daí nasceria uma história longa de desavenças com a sua madrasta - e posteriormente com os filhos desta. 
A sua vida foi, de facto, atormentada, algo que abordou nos vários diários que escreveu, marcada por distúrbios familiares, pela morte de vários filhos e da sua primeira esposa e outras incidências ocasionais, como o incêndio que destruiu por completo a sua residência meses antes de falecer.
Aprendeu a ler, curiosamente, com um poeta. Aos 25 anos abandonou a terra natal e a difícil vida que aí tinha e foi estudar o haiku com um professor que seguia a tradição do grande Bashô. Foi no seio deste grupo que Kobayashi começou a usar o nome Issa e publicou os seus primeiros poemas, tendo vindo a tornar-se o mestre do grupo após a morte desse professor. No entanto, acabaria renegado um ano depois por se ter afastado em demasia dos preceitos do haiku mais tradicional. A ligação às estações do ano deixou de ser obrigatória na doutrina que Issa ensinava; além disso, professava um afastamento à ligação com a natureza e seus elementos (estes haikus são obviamente a excepção.) O seu trabalho tornou-se mais subjectivo, impregnado de crítica social e por vezes dum humor bem apurado, donde sobressai uma imensa piedade ou compaixão para com as agruras da existência humana. Na verdade, apesar de muitos criticarem o seu sentimentalismo, Issa abandona a obrigação de mergulhar na natureza para privilegiar o homem e as suas emoções. Para todos os efeitos, foi um vanguardista do estilo que, tendo ficado órfão muito cedo, deixou o cariz desse sentimento impresso um pouco por toda a sua obra. Apesar das críticas, foi um autor bastante lido no seu tempo.
Assolado pela morte da mulher e dos filhos, cada qual em seu ano mas todos em idades tenras, pelos dez anos seguintes viajou sem plano ou poiso fixo. Depois, torna-se monge budista, embora sem regime de reclusão ou sujeito às obrigações dos templos. 
Casou-se novamente aos 63 anos, mas divorcia-se meses depois. Aos 64 contrai novamente matrimónio e estava prestes a ser pai de uma filha quando falece. 
Hoje, ninguém no mundo das letras fica indiferente ao talento daquele que justamente se considera um dos maiores nomes da arte do haiku.









(O autor, em retrato de Muramatso Shunpo.)