terça-feira, 22 de setembro de 2020

OUTONO (seguido de três haikus condizentes com a estação)

 
O Outono não se caracteriza apenas pela queda das folhas, mas também pelo declínio das forças vitais de todos os seres, incluindo o homem.

A Via Láctea torna-se mais nítida. Todavia, é a lua a alma desta estação. Na sua remota proximidade adensa o mistério da nossa existência. O vento soa também de maneira diferente e nele podemos surpreender, por vezes, o murmúrio da própria morte.

Os gritos dos insectos ecoam por todo o lado. Mas são os crisântemos, com a beleza das suas folhas e das suas flores e o seu perfume forte e esotérico, a referência dominante da estação, logo a seguir à lua. 



🍂🍂🍂


I. 

Outono:
velhos parecem até
os pássaros e as chuvas


II.

Acabou-se o óleo na lamparina
Mas... eis a lua
que entra pela janela


III.

A pequena lagarta
vê passar o outono
sem pressa de se tornar borboleta





Matsuo Bashô (1644 - 1694)














(Versões de Jorge Sousa Braga in "O Gosto Solitário do Orvalho (seguido de "O Caminho Estreito"), Assírio & Alvim, 2003.)

















("Pássaro Azul no Outono",
de Ito Sozan (1884 - ?))

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

REGRESSO AO CAMPO (Segundo de cinco poemas)


Dou-me com pouca gente aqui no campo
no meu cantinho cavalos e carroças raramente passam

durante o dia o portão fica fechado
e na sala vazia o mundo vazio não entra

de vez em quando abrindo caminho entre as ervas
procuro a casa de alguns vizinhos

mas quando a gente se encontra falamos apenas
de como medram as amoreiras e o cânhamo

pois a amoreira e o cânhamo crescem a olhos vistos
e a minha horta de igual modo prospera

somente temo a geada e o granizo
e que tudo arruínem, como as ervas daninhas. 




Tao Yuanming (365 - 427)











(Versão de Manuel Afonso Costa in "Poesia e Prosa - Tao Yuanming", Assírio & Alvim, outubro de 2019.)












("Nêsperas e Um Pássaro da Montanha",
Anónimo, sécs. XII ou XIII)