terça-feira, 30 de abril de 2019

DE MIM NÃO OUVIREIS UMA SÓ


Um dia, o nosso Mestre passeava por um dos bairros de Cónia¹. 

Dois estranhos discutiam entre si, dizendo um ao outro coisas horríveis. Rumi interrompeu a sua marcha a uma certa distância e ouviu um deles dizer: «Não sabes com quem falas? Se dizes mais uma palavra sequer ouvirás mil em resposta!»

Então, Rumi aproximou-se da dupla em disputa: «Não, vinde a mim, direccionai até mim todas as palavras que guardais em vossa mente; pois mesmo que tenhais dez mil delas, de mim não ouvireis uma só.»

Os dois beligerantes tombaram a seus pés e imediatamente acertaram a paz entre ambos.







(Shams ud-Din Ahmad) Aflaki em Manāqib ul-Ārifīn, uma biografia de Rumi (Séc. XIV).













(Versão de Pedro Belo Clara a partir da tradução inglesa de Andrew Harvey in "Teachings of Rumi" - Shambhala Pub., 1999)














(1) Cónia, no original Konya, é uma cidade turca situada na região da Anatólia Central. Historicamente conhecida por Icónio, esteve sob domínio romano e foi um dos locais eleitos pelo apóstolo Paulo para as suas pregações. Talvez por isso seja ainda hoje significativa a comunidade cristã na cidade.




















sábado, 20 de abril de 2019

CANÇÃO XL


É-me muito querido
aquele que consegue chamar
o vagabundo de volta a casa.

Na casa reside a verdadeira união,
o desfrutar da vida. Porque deverei
abandonar a minha casa
e deambular pela floresta?

Se Brahma me auxilia
a compreender a verdade, 
é certo que em casa encontrarei
tanto servidão como libertação.

É-me muito querido
aquele que tem o poder de mergulhar 
profundamente em Brahma,
cuja mente de si mesma brandamente 
se despega em sua contemplação.

É-me querido aquele que conhece Brahma
e pode residir na sua suprema verdade
em meditação; e aquele que pode tocar
a melodia do Eterno através da união,
em vida, do amor e da renúncia.

Kabir diz: A casa é o lugar da permanência;
em casa está a realidade; a casa auxilia 
a alcançar Aquele que é real.
Por isso, permanece onde estás
- e todas as coisas, no seu tempo, a ti virão.





Kabir (1440 - 1518)










(Versão de Pedro Belo Clara a partir da versão inglesa de Rabindranath Tagore em "Songs of Kabir", 1915).