quinta-feira, 28 de maio de 2020

Seis haikus primaveris de Bashô


I. (Em viagem pela província de Yamato, passei a noite numa quinta. O dono da casa era muito gentil e hospitaleiro.)

descansar em viagem
debaixo de ramos floridos
é como ouvir belas canções


II.

ver as cerejeiras em flor
é algo maravilhoso - 
mas o que eu tive de andar!


III.

se soubesse cantar
não pararia
até as flores murcharem



IV. (No Monte Kazuraki.)

quero contemplar uma flor
à primeira luz do dia - 
para ver a face de um deus


V. 

cansados
viajante e flores de glicínia 
batem à porta da hospedaria


VI. (Escrito em Nijikô.)

as pétalas de pequenas flores
caem em cascatas de sons - 
murmúrios sem fim






Matsuo Bashô (1644 - 1694)











(Tradução de Joaquim M. Palma, in "O Eremita Viajante", Assírio & Alvim, 2016.)














("Velha Romãzeira na Primavera", em pormenor 
- Masaaki Juseki.)


segunda-feira, 4 de maio de 2020

Três poemas de amor e de saudade de Al-Mu'tamid


I. (Ausência)

repeles-me!
porque deixas minh'alma abandonada?

se a tua ausência é uma longa noite
seja nosso abraço d'amor a alvorada.


II. (Separação)

só eu sei quanto me dói a separação!
na minha nostalgia fico desterrado
à míngua de encontrar consolação.

à pena, no papel, escrever não é dado
sem que a lágrima trace, caindo teimosa,
linhas de amor na página da face.

se o meu grande orgulho não obstasse
iria ver-te à noite: orvalho apaixonado 
de visita às pétalas da rosa.


III. (Alma Prisioneira)

sinto-me triste com a tua ausência
e ébrio por ti com o vinho da paixão.
anseiam sangue e coração
querendo beijar-te e abraçar-te.

não me queixo! pra quê ocultares-te?
juraram minhas pálpebras não cerrar-se
até que nosso reencontro se consume.

vem amor, confia e não temas:
bem sabes que minh'alma em lume
é a prisioneira das tuas algemas.



Al-Mu'tamid (1040 - 1095) ¹









(Tradução de Adalberto Alves in "Al-Mu'tamid, Poeta do destino", Althum.com, 2016.)



(Nota: Os poemas originais não possuem título. Os que se apresentam foram escolhidos pelo seu tradutor.)








(1) Foi o terceiro e último rei dos Abádidas, uma dinastia que se formou após a queda e desmembramento do Califado de Córdoba, no então designado Al-Andaluz - hoje, Península Ibérica. Foi deles a governação da chamada "Taifa de Sevilha", a mais poderosa da época, destacada pela alta classe cultural da sua corte, e que albergava as actuais cidades de Silves, Faro e Huelva, por exemplo. (Na realidade, chegou a ocupar toda a região sul de Portugal e estendia-se até ao estreito de Gibraltar.) 
Al-Mu'tamid era filho do principal responsável pela expansão de tal Taifa e o seu respeitoso poderio, um rei sanguinário e temível. Nasceu em Beja, o que, à parte do curioso acaso, o torna o primeiro rei-poeta mais destacado a nascer em território agora português. No seguimento da sua existência, revelaria-se um rei ambicioso e um mecenas generoso, mas igualmente um dos poetas mais famosos e amados de todo o Al-Andaluz, reformador até, em diversos sentidos, da poesia árabe então vigente. Não nos espantará tais feitos tendo em conta a educação que recebeu no palácio e as mais distintas figuras que à época o frequentavam. Alguns versos seus foram compilados na magnífica antologia "As mil e uma noites", que nos dias de hoje é ainda amplamente conhecida e admirada.
À faceta de poeta, que partilhou com seu pai, juntaria a de temerário guerreiro. Com apenas treze anos liderará uma expedição militar enviada para combater uma revolta que surge na cidade de Silves (Xilb), e o seu sucesso é total. Graças a tão brilhante vitória, o seu pai nomeia-o governador da cidade. É neste local que vem a conhecer Ibn'Ammar, um poeta que também terá nascido no actual território português, e com o qual desenvolve uma relação de intensa cumplicidade, que o seu pai nunca aprovará. Ainda hoje se especula se entre ambos terá existido uma relação de índole homossexual, embora Al-Mu'tamid se tenha enamorado por várias mulheres ao longo da vida, dentre elas uma escrava marroquina (que acabaria imortalizada pela sua pena).
Quando sobe ao trono, em 1069, nomeia o seu amigo íntimo vizir do reino. E se no começo tudo corria de feição, auxiliando este dedicadamente na contínua expansão do território, culminada com a conquista de Múrcia, Ibn'Ammar, cego pela sua ambição, não tardará a conspirar contra o rei-poeta. Acabará, por isso, morto às suas mãos, a golpes de machado.
Com a crescente ameaça dos reinos cristãos, nomeadamente de Afonso VI de Leão e Castela, Al-Mu'tamid vai perdendo o controlo de um território vasto e rico, que chegou até a contar com a sedutora cidade de Córdoba, até acabar traído, uma vez mais, por aliados islâmicos do norte de África. É precisamente para essa região que será desterrado, ocupando os cinco derradeiros anos de vida com o seu amor de sempre: a poesia.
Faleceu em Agmate, no sul de Marrocos, onde ainda hoje é possível visitar o seu mausoléu, que alberga as sepulturas do poeta, sua esposa e filha. 






(O Rei-Poeta Al-Mu'tamid - 
Autor desconhecido.)