terça-feira, 29 de novembro de 2016

Cinco aforismos de R. Tagore sobre o Amor e as suas diferentes faces


I.

O orgulho grava as suas máscaras em pedra,
o amor rende-se oferecendo flores.


II.

O amor é um mistério infinito,
pois ele nada tem para explicar.


III.

O amor continua a ser um segredo
mesmo quando se fala dele,
pois só o verdadeiro amante sabe que é amado.


IV.

No abundante tempo das rosas, o amor é vinho;
é alimento para a fome na altura
na altura em que as suas pétalas se desprendem.


V.

As nuvens, tristes por estarem na escuridão,
esquecem-se que também elas
esconderam, de dia, o sol.






Rabindranath Tagore (1861 - 1941)





(Selecção de Pedro Belo Clara a partir das traduções de Joaquim M. Palma in "A Asa e a Luz" (Assírio & Alvim, 2016)).












segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Cinco poemas (Tanka) de Wakayama Bokusui


I.

Hoje, como sempre,
tal qual um peregrino obsessivo, 
continuo a caminhar, sempre em frente,
batendo uma e outra vez
o gongo budista do meu coração.


II.

Pergunto-me: quantas mais 
montanhas e rios terei de atravessar
até atingir o lugar onde a solidão
enfim termina? A viagem começa,
novamente.


III.

Assim que adormeces,
a noite, tão mal iluminada,
vai-se tornando gentilmente
fragrante, como uma flor
de citrus-tachibana. (*) 



IV.

A alguma distância, trovões 
rugem como deuses. No entanto, 
aqui a chuva não chega - debaixo 
das nuvens carmesins do ocaso
continuo só, aquecendo sake. (**) 



V.

As folhas das palmeiras 
florescem, assim como a canola;
e as espigas de trigo balançam, 
resplandecem, ondulam, reverberam
- que longo, longo dia.




Wakayama Bokusui (1885 - 1928)


(Versões de Pedro Belo Clara a partir das traduções em inglês de Gregory Dunne e Goro Takano)






(*) Mesmo arriscando a diminuição da beleza poética do texto, optou-se por manter o nome científico na árvore em causa, tal como figura na tradução inglesa, por não existir na língua portuguesa uma tradução exacta. A citrus-tachibana é um citrino bastante parecido com a tangerina, também ela um fruto nativo da Ásia, mas não é comestível. Por esse motivo, as traduções mais aproximadas, como "tangerina" ou "laranja-mandarim", tornar-se-iam muito pouco exactas. Este fruto cresce de modo selvagem no seu espaço natural, o território do Japão, e só poderemos imaginar como o aroma das suas flores se assemelha ao das tangerineiras que tão bem conhecemos.


(**) Bebida alcoólica japonesa feita a partir da fermentação do arroz, após passar por um processo de remoção dos seus óleos e proteínas naturais. Tradicionalmente bebe-se à temperatura de 35º C, embora não de modo exclusivo, já que consoante as temperaturas em que for consumido o sake adquire diferentes sabores. 






(A estátua do poeta, no parque cultural de Miyazaki)




terça-feira, 15 de novembro de 2016

Três poemas no estilo Tanka, de Wakayama Bokusui (Período Moderno, desde 1868) (*)


I.

Como está desamparado
o pássaro branco!
O céu e o mar ambos azuis:
ele paira contudo entre eles
sem se tingir da sua cor.


II.

A colina adormecida:
a seus pés 
o mar dormindo:
através da primavera abandonada
prossigo a minha viagem.


III.

A meu lado
as flores das ervas do outono
murmuram baixinho:
«Como me são queridas
todas as coisas que morrem».



Wakayama Bokusui (1885 - 1928) (**)





(Selecção de Pedro Belo Clara a partir das traduções de Luís Pignatelli, in "A Pedra-que-mata, Poesia Japonesa" - Língua morta, 2016)









(*) O Tanka, estilo poético japonês que face à massiva prática e divulgação do Haiku parece actualmente adormecido entre os registos literários que chegam e se praticam no Ocidente, tem o seu apogeu entre os séculos VI e VIII. Originalmente, era a forma mais comum utilizada pelas mulheres cultas da corte japonesa para registarem a sua arte. A partir dela nasceriam outros estilos de igual fama, como a Renga ou o próprio Haiku.
Significa, literalmente, "poema curto" e compõe-se por cinco versos que, respectivamente, obedecem ao seguinte esquema: 5 - 7 - 5 - 7 - 7, divididos por duas estrofes (5 - 7 - 5 // 7 - 7) No total, o poema perfaz trinta e uma sílabas. Posteriormente, cada estrofe seria composta por autores diferentes, sendo que dois seria sempre o número necessário de poetas para criar um tanka (algures entre os séculos XII e XIV). Mais tarde, já em pleno amadurecimento do século XIX, as temáticas geralmente retratadas nestes poemas sofrem a consequência do minimalismo então crescente, algo que se adequa perfeitamente a um estilo de poema que desde o berço se quer "curto".


(**) Wakayama destacou-se como um autor de tankas de inclinação naturalista, tendo vivido o período por excelência da ressurreição deste estilo, levado a cabo pelo também poeta e ensaísta Yosano Tekkan. Publicou o seu primeiro livro em 1908, e durante a sua vida, um pouco à semelhança do mestre do haiku Matsuo Bashô, realizaria diversas viagens pelo Japão e Coreia, à época sobre o domínio imperial dos nipónicos. Por isso, é fácil constatar que em sua obra os lugares que lhe calhava visitar são maioritariamente descritos na sua fisionomia e recorte paisagístico, algo que na mostra poética de hoje se poderá verificar de um claro modo. Possuía um profundo amor pelo sake, de tal modo sólido que o seu pobre fígado não aguentaria as intensidades dessa tamanha paixão, vindo a falecer aos quarenta e três anos de idade, provavelmente ainda com inúmeros tankas a implorar o seu nascimento. Antes da sua morte, terá escrito o seguinte haiku: «Uma palavra de despedida? / A neve que derrete / não tem odor».








Wakayama Bokusui (1885 - 1928)






sexta-feira, 4 de novembro de 2016

CANÇÃO III


Amigo: espera-O enquanto vives,
conhece e compreende
enquanto vives - pois na vida
reside a libertação.

Se os teus laços não forem quebrados
enquanto vives,
que esperança de libertação
haverá na morte?

Não passa dum sonho vazio,
esse de a alma com Ele 
ter a sua união apenas por do corpo 
se ter desprendido.

Se agora Ele for encontrado,
será encontrado depois;
se assim não for, teremos
morada na cidade da morte.

Mas se tiveres a tua união agora
é certo que tê-la-ás depois.

Banha-te na Verdade, 
conhece o verdadeiro Guru (1),
cultiva a fé no verdadeiro Nome!

Kabir afirma: Quem auxilia
é o Espírito da Busca,
e eu sou um servo seu. 




(1) Do sânscrito "Mestre".







Kabir (1440 - 1518)




(Versão de Pedro Belo Clara a partir da tradução inglesa de Rabindranath Tagore, em "Songs of Kabir" - 1915).