sexta-feira, 22 de junho de 2018

Seis haikus veranis de Bashô


I.

sob a fragilidade do meu chapéu
usufruindo da frescura - 
estou vivo!


II.

o quarto crescente - 
flor fechada
ao sol-posto


III.

a vida demora tanto
como um aguaceiro de inverno
diz Sôgi ¹


IV.

o cuco chegou
e as flores de ameixieira
logo se abriram


V.

amoreira já com frutos - 
para a borboleta que os suga
é este o seu vinho de eremita?


VI.

o cuco
está fora
do mundo dos poetas ²






Matsuo Bashô (1644 - 1694)









(Tradução de Joaquim M. Palma, in "O Eremita Viajante", Assírio & Alvim, 2016).









(1) Importa antes de mais esclarecer que este conjunto de haikus seleccionados se nomeou de "veranis" não por necessariamente fazerem referência à dita estação, mas por nela terem sido escritos. 
Sobre a adenda em causa, diga-se que Sôgi (1421 - 1502) foi um poeta muito admirado por Bashô, ao qual várias vezes fez referência em seus haikus, de modo mais ou menos explícito. Se o primeiro haiku desta selecção de seis termina com a reinvocação de um verso de Sôgi, este em concreto é praticamente uma cópia de um haiku completo seu. Lembrando que Bashô definiu este género de poema como «simplesmente aquilo que agora acontece», é natural que a sua criação tenha surgido num momento de recordação do dito haiku de Sôgi ou a partir da sua leitura. O curioso é constatar como de um haiku Bashô criou outro praticamente idêntico, um haiku que cita a própria origem da sua criação.




(2) O cuco, o hototogisu, é uma das aves mais presentes neste tipo de poesia, apesar de um certo sentido contraditório que Bashô poderá ter desejado induzir. Assim, o significado deste haiku parece ser duplo: o canto da dita ave não cabe no «mundo dos poetas» por ser tão belo e, assim, impossível de reproduzir ou até igualar com grande exactidão; ou, ao invés, de tão monótono, em termos de ritmo, os poetas optam por não invocá-lo nas suas poesias.


















sábado, 9 de junho de 2018

CANÇÃO XXXIV


Como poderá romper
o amor que há entre Tu e eu?

Como a folha do lótus
permanece sobre a água,
assim o meu Senhor 
- e eu sou um servo seu.

Como a perdiz¹ contempla
a noite inteira a lua,
assim o meu Senhor
- e eu sou um servo seu.

Desde o começo ao fim dos tempos,
vive o amor entre Ele e eu.
Como poderá extinguir-se?

Kabir diz: como o rio
entra no oceano, assim
meu coração O toca.





Kabir (1440 - 1518)








(Versão de Pedro Belo Clara a partir da versão inglesa de Rabindranath Tagore em "Songs of Kabir", 1915).










(1) No inglês "chakor", isto é, a Alectoris Chukar, um género da família das Phasianidae, onde se incluem a nossa bem conhecida perdiz e também o faisão. É uma ave muito comum no Médio Oriente e no Sudeste Asiático, sendo inclusive um símbolo nacional do Paquistão. Apesar de poder ser vista no Leste da Europa, nos últimos anos esta espécie tem sido introduzida em regiões mais a ocidente, nomeadamente em países como França, Espanha e Portugal. 
No que toca à versão deste poema-canção, poderíamos optar pela tradução comummente aceite, a de Perdiz-chucar. Contudo, considerámos que a especificação do exemplar nada traria de relevante para a melhor compreensão da essência do poema, pelo que se optou pela generalização do termo.