sexta-feira, 21 de maio de 2021

Seis haikus de Yosa Buson

 
I.

como o pôr-do-sol
o canto do rouxinol
foi-se apagando


II.

(Contemplando o campo)

em silêncio chora a erva
quando o sol se põe - 
orvalho


III.

aqui no cimo da colina
a melancolia no meu coração - 
rosas selvagens em flor


IV.

no encontro com o rio
cada riacho
perde o seu som


V. 

os deuses abençoam
os meninos nus
que não param de dançar


VI.

agora sei
que o outono chegou - 
atchim!




Yosa Buson (1716 - 1784) ¹









(Versões de Joaquim M. Palma in "Yosa Buson, Os quatros rostos do mundo - haikus", Assírio & Alvim, março de 2020.)












(1) Yosa Buson terá sido, muito provavelmente, um dos poucos poetas que atingiram uma elevada notoriedade sem sofrer os reveses de uma existência atribulada. Perdas pessoais, tragédias persistentes ou pontuais, problemas financeiros ou vícios incontornáveis: nenhum destes ingredientes temperou, com agravo, a existência de Buson.
Sem dúvida que tal benesse se reflectiu na sua arte, nunca apressada para ser algo vendável ou atingir fama, nunca manchada pela fúria ou revolta contra o rumo dos acontecimentos, conforme se lhe iam apresentando. Aliás, Buson, apesar de hoje ser considerado um dos quatro grandes mestres do género poético haiku, viu a sua obra poética algo relativizada em vida, apesar de respeitada. Publicou livros, teve discípulos, participou em reuniões de poetas e era, de facto, respeitado no meio, mas não se poderá dizer que tenha em vida alcançado uma fama notória como poeta. No século seguinte à sua morte, é importante frisar, já poucos se lembravam do nome. Somente graças a Shiki, poeta do séc. XIX, o Japão adquirirá interesse em descobrir a obra dum poeta que, à época, auxiliou a revigorar o género poético celebrizado por Bashô
Pouco se sabe da infância de Yosa Buson, então Taniguchi Buson. Nasceu perto de Osaka, em 1716, provavelmente originário duma família de relativas posses: proprietários rurais. Os pais separam-se quando atravessa o período da adolescência, tendo ambos falecido pouco depois, sensivelmente na mesma altura. Teria Buson dezassete anos. Talvez aqui se encontrem as razões do poeta pouco ter falado sobre a sua infância, sequer visitar a sua aldeia natal. Diga-se que anos depois, já perto do final da sua vida, Buson vive a menos de quarenta quilómetros da dita aldeia e não existe qualquer registo que a tenha visitado sequer uma vez. 
Após a morte dos pais, parte para Edo (Tóquio) e começa a estudar poesia. Lê e estuda a fundo a obra de Bashô e interessa-se por outras artes, como a caligrafia e a pintura. 
Em 1742 parte em viagem pelo Japão, e é nessa altura que desenvolve um estilo literário onde também se destacou: o diarístico, composto em estilo de literatura de viagem. Sendo budista, visita vários templos e encontra-se com vários monges, desenvolvendo a sua arte e o espírito, e, tendo talento para a pintura, começa por elaborar vários painéis para adornar esses lugares religiosos. Curiosamente, Buson começa por ser conhecido pela sua pintura, e não pela arte poética - na qual admitiu saber-se mediano, apesar de sentir que só com vários anos de prática tal arte poderia ser dominada. Graças a isso, vai conseguindo a sua estabilidade financeira. 
Já com quarenta e dois anos fixa-se em Quioto, onde viverá o resto dos seus dias. Decide, então, adoptar o nome "Yosa", provavelmente em homenagem a sua mãe e à sua região natal. Três anos depois casa-se, finalmente, e tem uma filha, de nome Kumo. Pelo que se sabe, por haikus e cartas, a sua vida familiar decorreu sem grandes sobressaltos. Apenas, anos depois, o divórcio da filha constituirá um episódio de maior relevo, mas ainda assim pouco significativo. 
Passando as cinquenta primaveras de vida, Buson, atingindo uma perfeição notável na pintura, e gozando fama no meio, dedica-se com maior afinco à poesia. Funde um grupo literário com três amigos poetas e investe seriamente no aperfeiçoamento da sua interpretação desta arte. Em homenagem ao grande mestre Bashô, paga do próprio bolso a restauração da cabana onde este viveu.
Em janeiro de 1784, Yosa Buson dita ao seu amigo Gikkei os últimos três haikus, falecendo de seguida. Contava já com sessenta e sete anos de idade. Por sua vontade, foi enterrado junto da cabana de Bashô, onde a sua esposa se lhe juntou, anos depois. No ano seguinte, os discípulos de Buson decidem assumir o risco de publicar uma antologia dos seus haikus, mesmo que o próprio, em vida, se tenha recusado a fazê-lo.











(Yosa Buson 
- Autor desconhecido.)