quinta-feira, 2 de novembro de 2023

SERENIDADE


Todas as coisas nascem,
Modificam-se
E morrem.
É esta a sua natureza.

Quando sabes que assim é,
Nada te perturba,
Nada te magoa.
Tornas-te sereno.
É fácil.

Deus criou todas as coisas;
Nada mais há se não Deus.
Quando sabes que assim é,
O desejo desaparece.
A nada apegado,
Tornas-te sereno.

Mais cedo ou mais tarde,
A sorte ou o infortúnio
Poderão cair sobre ti.
Quando sabes que assim é,
Nada desejas,
Nada lamentas.
Subjugando os sentidos,
És feliz.

O que quer que faças
Gera alegria ou tristeza,
Vida ou morte.
Quando sabes que assim é,
Podes agir livremente,
Sem apego.
O que haverá para alcançar?

Toda a tristeza provém do medo,
E de mais lado nenhum.
Quando sabes que assim é,
Dela te libertas,
E o desejo desaparece.
Tornas-te feliz
E sereno.

“Eu não sou o corpo,
Nem é o corpo meu.
Sou consciência em si.”
Quando sabes que assim é,
Não guardas registo
Do que fizeste
Ou deixaste por fazer.
Tornas-te um,
Perfeito e indivisível.

“Estou em todas as coisas,
De Brahma¹ a um filamento de erva.”
Quando sabes que assim é,
Não tens um pensamento
Para o sucesso ou o fracasso
Ou para a inconstância da mente.
És puro,
És sereno.

O mundo, e todas as suas maravilhas,
Nada é.
Quando compreendes isto,
O desejo desvanece,
Pois és consciência em si.
Quando sabes, no teu coração,
Que nada há,
És serenidade.







Ashtavakra (? - ?)











(Versão de Pedro Belo Clara a partir da tradução inglesa de Thomas Byrom in "The Heart Of Awareness - A Translation of the Ashtavakra Gita", Shambhala Dragon Editions, 2001.)











(1) Brahma é o primeiro deus da sagrada trindade do hinduísmo, a Trimurti, seguido de Vishnu e Shiva. Originalmente dotado de cinco cabeças e oito braços, representa a força criadora do Universo. À semelhança da noção católica de "Deus", Brahma é visto como o "Criador" por excelência, senhor de todo o conhecimento. Uma das possíveis traduções do seu nome é "Realidade Última", embora sobre este tema as opiniões sejam bastante divergentes.
Iconograficamente é representado por quatro cabeças, uma por cada Veda (os livros sagrados do hinduísmo), e em quatro dos seus oito braços ampara um rosário, simbolizando o tempo, um recipiente com água, uma espécie de colher e os sagrados textos dos Vedas.
Apesar de num passado remoto ter gozado de uma enorme popularidade, com o dobrar dos séculos foi perdendo-a para as outras divindades da mesma trindade. Restam actualmente poucos templos em sua honra. O mais emblemático situa-se em Pushkar. 










“Evening Stillness", John Kenward