sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Três poemas de Han Shan (Parte II)


I. Barco à deriva


Uma vez na Montanha Fria,
todos os problemas cessam - 
não mais a mente enredada está.

Ociosamente rabisco poemas
no topo dum penhasco rochoso,
apanhando tudo o que me surge
como barco à deriva.




II. A predição dum lar


Num emaranhado de penhascos
escolhi um lugar - 
vestígios de pássaros por todo o lado, 
mas nenhum indício humano.

O que está para além do pátio?
Alvas nuvens colando-se a vagas rochas.

Já aqui vivo por longos anos.
Uma e outra vez, o inverno 
e a primavera passaram por mim.

Perguntem às famílias com carros
e talheres de prata
qual o propósito de tanto ruído
e riqueza.



III. Trinta longos anos


Vivi na Montanha Fria
por trinta longos anos.

Ontem, reuni amigos e familiares.
Mais de metade já havia partido 
para as Nascentes Amarelas. (1) 

Lentamente, consumo-me 
como fogo derretendo a vela,
fluindo eternamente
como rio que passa.

É agora manhã,
enfrento a minha solitária sombra.
De súbito, o olhar 
de lágrimas turva-se.




(Tradução, arranjo e adaptação da versão inglesa de Gary Snyder por Pedro Belo Clara).







(1) Usou-se a expressão "Nascentes Amarelas" directamente, e literalmente, traduzida da sua versão inglesa: "Yellow Springs". No original, Huangquan, o poeta refere-se ao "Reino dos Mortos", o equivalente ao Yomi no Japão, referindo-se assim Han Shan às suas amizades e membros de família entretanto falecidos. 









quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

CANÇÃO DO RIO QIUPU



Muito tem crescido o meu branco cabelo.
O coração abriga uma infinda inquietação. 
Quando lanço um olhar ao espelho,
pergunto-me donde virá a geada outonal.


(Li Bai 701 - 762)



(Traduzido e adaptado da versão inglesa por Pedro Belo Clara).



Nota: este é o décimo-quinto poema de um conjunto de dezassete que Li Bai escreveu junto ao rio Qiupu, localizado na província de Anhui - a mesma onde o poeta viria a falecer. 
Segue-se uma imagem do mesmo. 










domingo, 8 de novembro de 2015

CONTEMPLANDO A LUA E PENSANDO SOBRE AQUELA QUE ESTÁ LONGE


Nasce a lua, brilhante sobre o mar.
Contemplamo-la, tu e eu,
nos dois extremos do país.

Melancólico, lamento
a longa imensidão da noite. 
Apaixonado, solto um suspiro.

Cubro-me com a capa e saio.
Sinto-a molhada pelo orvalho.
Incapaz de colher um punhado 
desta luz para te oferecer, 
entristeço-me. 

Volto para casa.
Deito-me na cama.
Talvez em sonhos
te encontre.



Zhang Jiuling (673 - 740) (*)



(Adaptação de Pedro Belo Clara a partir da tradução de Adelino Ínsua - "Pavilhão da Chuva", Antologia de Poesia Clássica Chinesa (2002))






(*) Zhang Jiuling, de origem cantonesa, desfrutou de uma existência de grande notoriedade. 
Além de escolástico, foi um proeminente ministro e também chanceler durante o reinado do imperador Xuanzong - não obstante ter-se firmado como um dos maiores poetas românticos da dinastia em que viveu, a Tang. 
A famosa antologia denominada "Trezentos Poemas da Dinastia Tang" conta com cinco poemas da sua autoria, um dos quais aquele que agora se apresenta.











quarta-feira, 28 de outubro de 2015

ELEGIA PARA OS MEUS FUNERAIS



Se há nascimento, tem de haver morte;
acabar cedo não significa vida breve.
A noite passada era ainda um homem,
esta manhã apareço na lista dos mortos.

A minha forma está numa caixa,
um leito côncavo de madeira;
mas por onde vagueia o meu espírito?

Os meus filhos choram a morte do pai;
os meus amigos, o desaparecimento do companheiro.
Não mais o fardo de perder ou ganhar,
não mais distinguir o certo do errado.

Nos próximos mil outonos, daqui a dez mil anos,
quem recordará minhas honrarias e fracassos?
O único desgosto que levo desta vida
é não ter bebido até saciar o coração.


Tao Yuanming (365 - 427) (*)




(Adaptado por Pedro Belo Clara da tradução de António Graça de Abreu in "Quinhentos Poemas Chineses", Nova Vega, 2014).





(*) Nascido em Jiujiang, Tao Qian, maioritariamente conhecido por Tao Yuanming, cresceu numa família de oficiais e letrados, embora em moderada pobreza. Apesar do benefício da sua educação, e tendo trabalhado ao serviço do estado por mais de dez anos, retirou-se da vida activa perto dos quarenta anos de idade. Uma frase sua tornar-se-ia famosa para a eternidade: «não me ajoelharei como um criado por cinco punhados de grão». 

Cansado das sórdidas cenas políticas de então, preferiu a companhia da família, da Natureza e dos simples prazeres da vida - nomeadamente o vinho, como por esta elegia se poderá constatar sem que um bem humorado sorriso se não esboce. 
Toda a sua vida foi praticamente vivida nos últimos anos de governação dos Dezasseis Reinos (ou Estados), um tempo de domínio estrangeiro na China antiga. Embora essa era se revelasse pobre sob o ponto de vista da produção poética, Yuanming foi de longe o seu poeta mais importante, para muitos o melhor poeta entre os quatrocentos anos que separam as dinastias Han e Tang.
Tendo sido um período marcado por agitações políticas, muitos poetas optaram por se exilar em zonas rurais, tendo até outros seguido uma via eremita. Naturalmente, os seus trabalhos passaram a reflectir paisagens e estilos de vida condizentes, pelo que se dirá que a escola de nome "Campo e Jardim" terá assim sido fundada. Considera-se Yuanming um dos seus aderentes, embora nos seus trabalhos também se incluam ensaios e homenagens a entes queridos.
Muito depois da sua morte seria reverenciado pelos imortais Li Bai e Du Fu.











sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Três poemas de Han Shan


I.

Vive o homem a vida numa tigela de poeira
Como bichinhos dentro de um jarro
Todo o dia andando à volta
Nunca sai lá de dentro
Não nos calha a ventura
Só temos em sorte desgraças
O tempo parece um rio
Que corre. Um dia, acordamos velhos.

(Tradução de Gil de Carvalho)




II.

Habito a montanha,
ninguém me conhece.
Entre nuvens brancas,
o silêncio, sempre o silêncio.

(Tradução de António Graça de Abreu)




III.

Por sorte, habito solitário entre penhascos,
no rasto de pássaros, longe dos homens.
O que existe em redor do meu jardim?
Nuvens brancas abraçando rochas negras.
Habito por aqui há tantos anos,
quantas vezes o Outono deu lugar à Primavera?...
Hoje, compreendo melhor: riquezas, honrarias,
o nome, a fama, tudo inútil e vazio.

(Tradução de António Graça de Abreu)




Han Shan (circa 700 - 780) (*)



(Traduções retiradas de: "Poemas de Han Shan", A.G.A, Macau, Cod. Ed. 2009; "Uma Antologia de Poesia Chinesa", G. de C., Lisboa, Assírio & Alvim, 2010.)






(*) Para quem o considera uma entidade individual, eis uma enigmática figura sobre qual pouco se sabe, inclusive as datas exactas da sua existência material. É geralmente defendido tratar-se de um homem letrado que posteriormente optou por uma vida de eremita nas montanhas Tiantai, província de Zhejiang. Os seus poemas sobre essa "montanha fria" tornar-se-iam famosos. Grande parte da sua poesia hoje conhecida, aliás, parece ter sido produzida nesse eremitério, dada a centralidade que a sua paisagem assume, seja de modo directo ou mais subentendido. 
Importa contudo ressalvar que o próprio nome, Han Shan, significa nada mais nada menos do que "montanha fria", o que levou muitos estudiosos a duvidar da hipótese de se tratar de um só homem, ao invés de um conjunto de pessoas que, remetidas a uma vida eremita nessas montanhas, com tal nome assinavam as suas criações. Na verdade, na antologia dos poemas de Han Shan existem algumas discrepâncias de tema e tom, o que leva a crer a existência de outras mãos imiscuídas na sua produção. Poderia até tratar-se, inicialmente, de um homem só, ao qual outros se seguiram, mas cujo nome deste primeiro adoptaram para si, dado o local do seu isolamento voluntário. O mesmo parece ter acontecido com o companheiro que historicamente lhe é atribuído, Shih Te ("O orfão").
Ainda assim, é visto como tendo sido um "mestre Zen", ou um "bodhisattva" (Manjusri), provavelmente devido ao aspecto sobrenatural que paira sobre a única história conhecida sobre si. Não obstante, é um facto que a sua poesia, tantas vezes espalhada nas árvores, pedras e muros de quintas rurais, torna-se na primeira a assimilar as influências do Budismo Zen, corrente de pensamento que surgiu algures no séc. VII no Império do Meio, durante o despontar da Dinastia Tang, com vincados salpicos que lembram a essência do pensamento taoísta. 

Os poemas agora seleccionados atestam profundas observações sobre a existência humana, os logros do ego, a impermanência das coisas... No reverso, cintilam as virtudes do silêncio e de uma vida de isolamento, por forma a privilegiar um contacto mais directo e autêntico com a "verdadeira face da existência".













sexta-feira, 9 de outubro de 2015

NO CUME DA VERDE MONTANHA



Perguntas-me porque me quedo
no topo das verdes montanhas?

Solto uma gargalhada, não respondo;
meu coração está em paz.

Flores de pessegueiro tombam,
ao horizonte flutuam:
aqui, neste mundo sem Homem.



Li Bai (701 - 762)


(Tradução e adaptação da versão inglesa de Dongbo por Pedro Belo Clara).





Nota: Não se saberá ao certo onde Li Bai, um dos maiores poetas chineses do todos os tempos, escreveu este poema, mas acredita-se que o tenha feito algures nas montanhas Huangshan, a sul da província de Anhui (onde viria a falecer). 
Uma visão que atesta estas montanhas como exemplares de estonteante beleza, encontra-se retratada na fotografia abaixo apresentada (fonte: travelwithoutborders.wordpress.com).









quarta-feira, 23 de setembro de 2015

LAMENTO


Casou-me a minha família
nesta remota parte da terra.
Deu-me a estranhos,
ao bárbaro e longínquo rei.

A tenda redonda, o meu palácio;
são de feltro, os muros.
De comer, carne crua;
para beber, leite de égua.

Sonho sempre com a minha terra.
Tenho o coração pisado!
Oh, fosse eu o cisne amarelo
que retorna ao país natal...



(Poema anónimo - séc. I a.C. a séc. I) (*)



(Tradução de Gil Carvalho, adaptada por Pedro Belo Clara).




(*) Compilado na obra "Quinhentos Poemas Chineses" (Nova Vega, 2014), pouco se poderá dizer sobre este poema composto algures durante a vigência da dinastia Han ocidental. Apenas que o lamento duma jovem de então se perpetuou pelas eras, tornando-se certamente coevo de muitos outros entretanto suspirados por jovens em idêntica situação (salvo as naturais diferenças culturais e temporais, claro está).










quarta-feira, 9 de setembro de 2015

O tempo foge, a cascata flui


O tempo foge, a cascata flui.
O carro dos quatro corcéis desaparece.
O destino é sagaz.
Mas o que ele não consegue
é restituir-me a vida quando morto eu for.

Já vivi bastante.
Caem-me os dentes, caem-me os cabelos.
Sou como uma maçã murcha no Inverno.
É esta a lei dos homens.
De que serve revoltar-me?


Mao Heng (séc. III ? ) (*)



(Tradução de António Ramos Rosa).





(*) Sobre este poeta pouco se sabe, desde as suas exactas datas de vida como muito daquilo que empreendeu ao longo da mesma. No entanto, foi o fundador de uma escola poética denominada "Mao Shi", que durante a dinastia Han atingiu uma considerável relevância. O seu papel como anotador do "Livro das Odes" (Shi Jing), considerado um dos "Cinco Clássicos" da literatura chinesa, merece igual destaque.
Pela leitura do poema apresentado, podemos compreender a inclinação deste obscuro escolástico para temas como a impermanência dos elementos mundanos e a efemeridade da vida, factos existenciais que lhe alimentavam uma completa aceitação dos seus efeitos. Pelo que se demonstra, certas influências do pensamento Taoísta em sua poesia não serão de descartar. 










(reprodução da primeira ode do Shi Jing, transcrita pela própria mão do Imperador Qianlong (1711 - 1799))




quarta-feira, 19 de agosto de 2015

A CANÇÃO DOS FANTOCHES


Em madeira são esculpidos.
Com figura de velhos,
movem-se por meio de fios.

Têm a pele cheia de rugas
e os cabelos são brancos.
Parecem mesmo 
verdadeiros velhos.

Mas, acabada a comédia,
todos caem e ficam inertes.

Lembram os homens:
atravessando esta vida
como num sonho.


Tang Xuanzong (685 - 762) (*)




(Versão de Pedro Belo Clara a partir da tradução de B. Videira Pires)




(*) Nascido Li Longji, Xuanzong foi provavelmente o imperador mais famoso de toda a dinastia Tang, tendo o reinado mais longo (quarenta e três anos) e também, sem motivo que o questione, o mais conturbado. Afinal, testemunharia de perto a rebelião do general An Lushan, acto que viria a imergir o país num caos completo - do qual resultaram cerca de doze milhões (!) de mortes ao longo de sete anos.
Apesar dos desejos de poder do seu general, há quem atribua ao próprio imperador culpa pelo trágico sucedido. Afinal, graças à sua confiança cega no mesmo, e noutros indivíduos de personalidade dúbia, o império sofreria grandes danos. Uma surpresa, tamanha falha, dado que nos primeiros anos de reinado se revelara um governante astuto e diligente. 
É curioso constatar o modo como este poema compara os fantoches à existência humana. A razão que a sustenta poderá ser mais pessoal do que em primeira análise se concluirá. 
Na tentativa de garantir a máxima estabilidade política durante o período do conflito, o imperador Xuanzong procedeu ao perdão de diversos rebeldes, munindo-os de guarnições numerosas na esperança de que pudessem manter a estabilidade política e económica do nordeste do país. O acto, infelizmente, teve efeitos reversivos, deixando o imperador à mercê dos caprichos de tais figuras. O sentimento anotado não difere muito, como se vê, da condição conhecida por esses engraçados brinquedos, os fantoches.  
Xuanzong, apesar de tudo, era um verdadeiro amante das artes - e da poesia, em particular.













quinta-feira, 6 de agosto de 2015

DIÁLOGO NA MONTANHA



Perguntais porque motivo moro na montanha verde,
Intimamente sorrio mas não posso responder.
As flores de pessegueiro são levadas pela água do rio...
Há outro céu e outra terra para além do mundo dos homens.



Li Bai (701 - 762)





(Tradução de Cecília Meireles in "Li Po e Tu Fu, Poemas Chineses" - Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1996).








terça-feira, 21 de julho de 2015

Fomos nós que plantámos



Fomos nós que plantámos
e colhemos o arroz.

Fomos nós que a madeira
empilhámos nas margens
das águas claras e onduladas do rio.

Os senhores não semeiam nem colhem,
mas recolhem
trezentos alqueires de trigo.

Jamais vão à caça,
mas têm javalis
pendurados nos pátios das suas casas.

Ah, esses senhores 
que não necessitam
de trabalhar para comer!



Shi Jing - o "Livro das Odes" (*)


(Versão de Pedro Belo Clara a partir da tradução de João C. Reis, em "Quinhentos Poemas Chineses" (Nova Vega, 2014)). 





(*) Este poema, anónimo, encontra-se compilado no Shi Jing, ou "Livro das Odes". 
Trata-se da primeira recolha de poemas chineses de que se tem conhecimento. Ao que parece, a sua compilação deve-se a Confúcio (551 a.C. - 479 a.C.). A importância de tal trabalho tê-lo-á mesmo levado a afirmar o seguinte: «Um homem que não estuda o Livro das Odes não deve sequer falar».
Composto por trezentos e cinco poemas, provavelmente escritos e cantados entre os sécs. XI e VI, a.C., o famoso livro exerceu uma tremenda influência em toda a poesia futuramente escrita na China.








segunda-feira, 13 de julho de 2015

CANÇÃO DOS CABELOS BRANCOS



O nosso amor, brioso como neve nas montanhas,
foi lustroso como a lua entre as nuvens.
Soube que irás deixar o velho pelo novo;
venho despedir-me de ti.

Hoje, bebemos um copo de vinho;
amanhã, cada um seguirá o seu rumo.
Pelo canal imperial iremos,
como águas fluindo para este ou oeste.

Porque me deverei sentir triste ou lúgubre
e como uma noiva chorar, lágrima após lágrima?
Tivesse casado com um homem de um só coração,
e mesmo de brancos cabelos não nos separaríamos.

Longas poderão ser as tuas linhas de pesca,
mas não apanharás as luzentes caudas dos peixes.
Se o teu amor fosse sólido e verdadeiro,
não te submeterias à tentação do dinheiro.





Zhuo Wenjun (século II a.C.) (*)



(Tradução da versão inglesa por Pedro Belo Clara).





(*) Zhuo Wenjun, nascida na província de Sichuan, China, durante a dinastia Han Ocidental, é considerada a primeira poetisa da história literária chinesa. 
Viúva desde muito cedo, protagonizou com o também poeta Sima Xiangru (179 a.C. - 117 a.C.) uma autêntica história de amor na antiguidade. 
Dizem as lendas que se tratou de "amor à primeira vista". Wenjun, que apreciava bastante os escritos de Xiangru, teve um vislumbre do seu amado na casa de Cho Wangsun, o magistrado da província de Lin Hong, na companhia de seu pai. Sima Xiangru interpretava um tema musical quando uma lufada de vento afastou a cortina que os apartava, permitindo assim o primeiro contacto entre os amantes. 
Trocadas as habituais juras, Wenjun e Xiangru fogem pela calada da noite para Sichuan, regressando apenas nove meses mais tarde. Renegada pela sua abastadíssima família, Wenju vê-se forçada a vender as suas jóias para abrir uma taberna com o seu novo marido.
Sima Xiangru teve uma vida atribulada, sendo inclusive vítima de diversos actos de inveja. Chegou, inclusive, a ser encarcerado durante um ano sem razão válida (valeu-lhe a amizade do próprio imperador). Após o seu casamento com Wenju, o imperador convoca-o para a capital. Caindo já nas graças do seu sogro, rapidamente se fatiga da vida na corte. Pede então transferência para Mounling, onde viria a conhecer uma jovem mulher pela qual se enamora. O desejo de a tomar por sua concubina torna-se incontrolável. 
É provavelmente nesse sentido que este poema foi escrito. Embora existam incertezas, ele é-lhe atribuído. Contudo, há quem defenda que o dito, sendo de Wenju ou não, somente exprime as flutuações do amor dos homens pelas mulheres. Pois, segundo a lenda, Wenju, sabendo do sucedido, escreve um poema ("Um Casal de Brancos Cabelos") e envia-o ao seu marido. Este, de tal modo tocado pelo sentimento exposto no escrito, abandona os seus planos e retorna a casa. 
Viveriam como nas histórias: felizes para sempre.









quarta-feira, 1 de julho de 2015

VIDA


Esta vida no meio de vinho e de canto,
Quanto tempo dura?
Momentânea como orvalho de madrugada,
Deixa-me o sofrer do seu passar. 



Cao Cao (155 - 220) (*)


(Tradução de Yao Feng, in "Quinhentos Poemas Chineses" (Nova Vega, 2014)).






(*) Cao Cao foi um dos grandes senhores de guerra durante os conflitos que originaram a queda da dinastia Han oriental. Mesmo tendo falecido no ano da sua instauração, é considerado uma figura central do conturbado período dos Três Reinos (220 - 280). Lançou as bases para a criação autónoma do Reino de Wei, sendo postumamente declarado Imperador Wu de Wei. Notável estratega militar, destacou-se pelo modo déspota do seu governar, não obstante o mesmo ter sido alvo de diversos elogios - um "déspota iluminado", portanto. Homem, apesar de tudo, de índole sensível, cultivou de modo sério os seus visíveis atributos poéticos. 








segunda-feira, 29 de junho de 2015

CANÇÃO DO SOFRIMENTO



A minha força sacudia as montanhas,
a minha alma sombreava o mundo.
Mas mudaram os tempos,
já não galopa o meu cavalo baio.
Se já não galopa o meu cavalo baio
que posso eu fazer?
Ah, minha pobre Yu,
qual será o teu destino?



Xiang Yu (232 a.C. - 202 a.C.) (*)



(Tradução de António Graça de Abreu, in "Quinhentos Poemas Chineses" (Nova Vega, 2014)).





(*) Xiang Yu lutou contra Liu Bang pelo trono da dinastia Han. Comandante das tropas rebeldes, acabou derrotado e naturalmente condenado à morte. Antes da sua execução, porém, escreveu este poema dedicado à sua concubina Yu - que acabaria por ser executada juntamente com o seu amante.







quarta-feira, 10 de junho de 2015

Todos sabem que o belo é belo


Todos sabem que o belo é belo
porque há fealdade.
Todos sabem que o bem é virtuoso
porque há o mal.

Existir e não-existir produzem-se um ao outro.

O difícil e o fácil completam-se.
O longo está contido no curto, e o alto no baixo.
O instrumento e a voz atingem uma só harmonia.
O antes e o depois seguem-se um ao outro.

Por isso, o sábio age sem esforço

e ensina o não-falar,
trata das coisas sem as possuir,
e executa sem esperar elogios.
E, porque não se apega,
o que faz permanece para sempre.





Lao Tsé (séc. VI a.C. - ?) (*)






(Tradução de Joaquim Palma, in "Tao Te Ching", Editorial Presença (1º edição - Julho de 2010).







(*) Lao Tsé, o Velho Mestre, é das figuras mais emblemáticas e obscuras da China antiga. Diversas lendas criaram-se em torno de tal figura, das mais plausíveis às mais absurdas possíveis, ora divinizando-a ora pondo em causa a sua própria existência.

Fundador do pensamento Taoísta e contemporâneo de Confúcio, cuja doutrina rivalizou desde sempre com os mais básicos preceitos do Taoísmo. 
Num período inicial da sua vida foi responsável pelos arquivos históricos e conselheiro da corte imperial de Chou. 
Após a queda desse império, reza a lenda que terá abandonado a cidade rumo ao Tibete. Ao chegar à fronteira, o guarda, reconhecendo-o, terá pedido ao Velho Mestre que deixasse escrito um livro sobre o "verdadeiro caminho e a verdadeira sabedoria". Desse pedido nasceu o Tao Te Ching, uma das obras mais publicadas de sempre em todo o mundo, logo atrás da Bíblia. Escrito o livro, Lao Tsé retomou a direcção do sol poente. E não mais foi visto. 









(Lao Tsé)






quarta-feira, 3 de junho de 2015

PENSANDO NA MINHA CASA EM CHANG'AN


(enquanto viajava com o exército por nove dias)



Se ao menos pudesse subir a algum lugar,
mas vinho ninguém me envia.
O meu pobre e longínquo jardim de crisântemos
floresce agora junto dum campo de batalha.




Cen Shen (715 – 770) (*)


(Tradução do original por Bill Porter, em "Poems of the Masters, China's Classic Anthology of Tang and Sung Dynasty verse". Tradução da versão inglesa por Pedro Belo Clara).





(*) Cen Shen, também designado Cen Can, foi filho do governador de Jianzhou (hoje Hubei) durante o governo da dinastia Tang. Aos vinte anos mudou-se para a localidade que dá nome a este poema. Foi amigo íntimo de Li Bai, um dos maiores poetas deste período que lhe dedicou o poema "Tragam o vinho!". Inicialmente, os trabalhos de Shen versavam sobre paisagens. Mais tarde, o teor dos mesmos mudará radicalmente, tendo em conta as suas diversas experiências militares no extremo noroeste do Império: a dureza climática e os incansáveis combates em plena guerra civil - a revolta do General An Lushan, entenda-se, que Shen combateu, deu origem a um dos conflitos mais ferozes e devastadores da era em questão (de 755 a 763).










sábado, 30 de maio de 2015

DEPOIS DE ALMOÇO


Depois de almoço – uma breve sesta.
Ao acordar – duas chávenas de chá.
Erguendo o semblante, contemplo a luz solar
de novo inclinada para sudoeste.
Aqueles que são felizes lamentam a efemeridade do dia;
aqueles que são tristes enfadam-se pela preguiça do ano.
Mas aqueles cujos corações se despojam de alegria ou [tristeza,
vivem simplesmente – sem noção de curto ou longo.




Bai Juyi (772 – 846) (*)


(Tradução do original por Arthur Waley. Tradução da versão inglesa por Pedro Belo Clara).





(*) Bai Juyi nasceu em Xinzheng, província de Henan. Além de governador de duas das cidades mais importantes da China clássica, Hangzhou e Suzhou, tornou-se um dos mais importantes poetas que aquele país viu nascer. As suas criações receberam nítidas influências do pensamento taoísta e budista. Contam os relatos da época que cultivava a particularidade de rasgar todos os poemas que junto dos leitores não obtinham a devida compreensão. Procurou ressuscitar o uso de uma poesia directa e de simples processos, inspirando-se fortemente em canções populares. Amiúde em seus poemas imprimia uma forte crítica social, tendo sido ao longo da vida um principal defensor do povo e do seu bem-estar, que à época vivia em condições incrivelmente precárias, nomeadamente graças ao alto volume de impostos pagos ao Imperador - os cereais para a sua subsistência não raramente apodreciam nos celeiros imperiais, quando poderiam ter saciado a fome de inúmeras famílias camponesas.








Bai Juyi



quarta-feira, 27 de maio de 2015

NOITE DE TRISTEZA



Uma bela mulher descerra
a delicada persiana de bambu.
Senta-se com expressão profunda;
suas sobrancelhas tremelicam como traças.
Quem lhe terá posto dorido o coração?
Em seu rosto, visível apenas
húmidos vestígios de lágrimas.




Li Bai (701 - 762).

(Tradução de Shigeyoshi Obata, em "The Works of Li Po" (1935). Tradução da versão inglesa por Pedro Belo Clara).










segunda-feira, 25 de maio de 2015

O ESPAÇO DE MEDITAÇÃO POR DETRÁS DO TEMPLO POSHAN


De madrugada entrei num templo antigo.
O sol nascente incendiava as altas árvores.
Um trilho guiou-me a um lugar isolado,
a um espaço de meditação num bosque florescido,
onde a luz da montanha deleitava os corações dos pássaros
e lagoas como espelhos aquietavam a mente dos homens.
Os dez mil ruídos foram silenciados.
Tudo o que escutava era um sino.


Chang Jian (727) (*)


(Tradução do original por Bill Porter em "Poems of the Masters, China's Classic Anthology of Tang and Sung Dynasty verse". Tradução da versão inglesa por Pedro Belo Clara).



(*) Também designado por Ch'ang Chien nas primeiras traduções de que a sua poesia foi alvo, encontra-se presente na famosa antologia "Three hundred Tang Poems" - chegada ao Ocidente em 1929. Figura do qual pouco se sabe ou conhece, destaca-se pela poesia de teor meditativo e espiritual.











domingo, 24 de maio de 2015

PENSAMENTO NOCTURNO



O luar, brilhante,
aparece em frente da cama
como geada pelo chão. 


Levo os olhos à lua formosa,
e baixando o rosto penso 
na minha terra natal. 





Li Bai (701 - 762) (*) 








(Versão inglesa de Qiu Xiaolong. Tradução a partir da mesma por Pedro Belo Clara.)










(*) Li Bai é considerado o maior poeta romântico da dinastia Tang (618 - 907). A alcunha de "Poeta Imortal" ainda hoje lhe é outorgada. Cerca de mil poemas deste destacado vulto da literatura chinesa permaneceram incólumes ao avanço dos tempos. Chegaram ao ocidente as primeiras traduções em 1862, por mão de Marie-Jean Léon. Ezra Pound considerou a obra de Li Bai «o maior exemplo da visualidade» na poesia chinesa, referindo-se à capacidade de cristalizar em palavras a imagem que diante do olhar do poeta se anuncia.









(Li Bai)