quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

ADEUS ÀS GENTES DE HANGZHOU


Anciãos e oficiais ladeiam a estrada do regresso;
jarros de vinho enfeitam a mesa da despedida.
Não governei esta gente com a sabedoria de Shao Kung (1);
porque razão tão céleres rolam as suas lágrimas?
Apliquei impostos pesados, considerando a pobreza geral;
os agricultores passaram fome, amiúde os campos secavam.
Tudo o que fiz foi represar as águas do lago (2)
e prestar um breve auxílio num ano de má memória.




Bai Juyi (772 - 846)





(Versão de Pedro Belo Clara a partir da tradução inglesa elaborada por Arthur Waley.)






(1) Shao Kung foi um líder lendário da China antiga que dispensava qualquer forma de justiça. Permanecia sentado à sombra de uma pereira selvagem, e assim governava os destinos do seu povo.

(2) O poeta foi quem mandou construir a represa do Lago Ocidental, ainda hoje existente e conhecida por "A represa de Bai". 
(Note-se que com as alterações na tradução do mandarim arcaico para as suas versões mais actuais, o nome de Bai Juyi passou a ser referido como Po Chu-I, sendo também verificável a mudança, obviamente, no nome dado à referida construção.)








(Pormenor da actual cidade de Hangzhou)





segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

CÂNTICO À PREGUIÇA


Poderia ter um emprego, 
mas sou demasiado preguiçoso para me candidatar.
Possuo um terreno,
mas sou demasiado preguiçoso para preparar o seu cultivo.

Tenho o telhado esburacado,
e preguiça em repará-lo.
Tenho as roupas em farrapos,
e indolência para as compor.
Tenho um cântaro de vinho,
e preguiça para o abrir.

Mais vale então que permaneça vazio!

Tenho a minha cítara,
mas estou sonolento o bastante
para a não tocar.
Mais valia então que cordas não tivesse!

A minha família resmunga: «Não há já mais arroz».
Também tenho fome... 
Mas estou demasiado letárgico
para cozinhar.

Os amigos enviam-me cartas,
mas não possuo energia para as abrir.

Ouvi contar que o tio Ji 
teve uma vida de grande preguiça,
mas ele tocava a sua cítara
e por ofício foi ferreiro.

Comparado comigo,
bem se vê como ele 
nunca dominou a arte da preguiça!




Bai Juyi (772 - 846)


(Versão adaptada de Pedro Belo Clara a partir da tradução inglesa elaborada por Dongbo.)








(Bai Juyi e a sua adorável preguiça em acção) 



quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Três poemas de Bai Juyi


I. A aldeia de Chu-Chen

Em Hsu-Chu, distrito de Ku Feng,
há uma pequena aldeia chamada Chu-Chen.
Está muito afastada da grande cidade,
entre campos de cânhamo,
à sombra de amoreiras.
Ali os teares tilintam alegres,
rangem pelas ruelas
as carroças puxadas por burros.
As jovens vão buscar água ao poço,
as crianças vão colher a lenha.
Os habitantes de Chu-Chen são pobres,
e é raro
tratarem com o governo.
Enquanto vivos, são
os habitantes da aldeia de Chu-Chen.
Quando mortos, tornam-se
no pó da aldeia de Chu-Chen.


II. O velho carvoeiro

No monte do sul, o velho carvoeiro
serra a madeira, faz carvão.
O rosto cor de fogo, coberto de fuligem,
cinzentas as têmporas, negras as mãos.
Ganha tão pouco dinheiro, e para quê?
Roupa para o corpo, comida para a boca,
mas tão pobre, coberto de andrajos...
Tem frio e deseja o frio, por causa do negócio,
esta noite um palmo de neve sobre a cidade.
De madrugada conduz a carroça, rasgando o gelo,
ao meio-dia, o boi fatigado, o homem com fome,
na Porta Sul descansam ambos na lama gelada.
Ah, quem são esses fogosos cavaleiros?
Um oficial vestido de amarelo, um rapaz de branco,
na mão um documento "Por ordem imperial".
Puxam o boi, levam a carroça para norte.
Uma carrada, trinta arrobas de carvão,
confiscadas pelos comissários do Palácio.
De nada servem protestos e lamentos.
Um pedaço de tecido em gaze,
umas tiras de seda florida,
tudo atado nos cornos do boi.
Eis a paga do labor do carvoeiro.


III. Lamento pela morte das peónias

Entristeço-me
pelas peónias vermelhas
no sopé da escadaria. 

Cheguei tarde demais.
Apenas dois débeis
exemplares resistem ainda.

Os ventos da manhã
que decerto virá
remetê-los-ão ao esquecimento.

Esta noite,
direccionando a candeia
desfruto dos derradeiros
laivos de vermelho esmaecido.



Bai Juyi (772 - 846) 






(Os poemas I e II são, respectivamente, traduções de António Ramos Rosa e de António Graça de Abreu ("Quinhentos Poemas Chineses", Nova Vega, 2014). O poema IIIº é uma tradução e adaptação da versão inglesa de Dongbo por Pedro Belo Clara).








(Pormenor de Luoyang, China, e suas peónias, cujo festival ainda hoje se realiza)