sábado, 21 de maio de 2022

A HISTÓRIA DAS BORBOLETAS


Certa noite, as borboletas reuniram-se, atormentadas pelo desejo de se juntaram à vela. Disseram:

- Precisamos de mandar alguém à procura de informações sobre o objecto da nossa busca amorosa.

Em vista disto, uma delas partiu. Chegou a um castelo e, dentro dele, viu a luz de uma vela. Regressou e relatou, segundo a sua compreensão, tudo que vira. Mas, no entender da sábia borboleta que presidia à reunião, ela não percebera coisa alguma da vela. Assim sendo, outra mariposa seguiu o caminho do castelo. Fez tenção de tocar a chama com a ponta das asas, mas o calor fê-la recuar. Como o seu relatório não fosse mais satisfatório do que o da primeira, partiu uma terceira borboleta. Esta, bêbada de amor, atirou-se à chama; envolveu-a com as patas dianteiras e uniu-se alegremente a ela. Abraçou-a toda, e o seu corpo ficou vermelho como o fogo. A borboleta sábia, que observava a cena de longe, ao ver que a chama e a mariposa pareciam uma só, disse:

- Ela aprendeu o que desejava saber; mas só ela compreende, e nada mais se pode dizer. 



Farid Ud-Din Attar (1121? - 1229?) ¹







(Tradução de António Machado in "A Conferência dos Pássaros", Marcador, 2013.)










(1) Attar, de cuja vida pouco se sabe, terá nascido na cidade de Nishapur, no actual Islão, segundo algumas fontes em 1121, segundo outras em 1145. 
Foi um célebre Sufi poeta e biógrafo, além de farmacêutico. Ao abandonar essa profissão inicial, Attar viajou por diversas cidades e países, estudando o máximo possível em diferentes paragens. Terá sido durante esse período de busca que teve um encontro mais real e profundo com o sufismo. Quando regressou, já apregoava os seus preceitos. Apesar dos dados escassos e por vezes contraditórios, isto é certo: o seu trabalho exerceu uma influência tremenda na poesia persa e até no Sufismo em geral, onde hoje é visto como um dos seus maiores nomes. 
No entanto, em vida permaneceu discreto e sem grande influência na sociedade da época, além de na sua terra natal. Somente muito mais tarde, provavelmente no século XV, é que os seus dotes poéticos e prosaicos foram redescobertos e amplamente divulgados. O célebre poeta Rumi foi um dos seus maiores admiradores. 
A obra "A Conferência dos Pássaros" é sem dúvida alguma um dos seus trabalhos mais reconhecidos. 
Teria setenta e quatro ou setenta e cinco anos quando se dá a invasão mongol da cidade de Nishapur, em 1221. Attar é morto durante o impiedoso massacre. 
Actualmente, é possível visitar o seu mausoléu na dita cidade, um autêntico momento a um poeta e homem religioso ímpar. 










(Farid Attar,
autor desconhecido.)