terça-feira, 27 de novembro de 2018

AMOR RECÍPROCO


Quando os nossos mentores, e aqueles que estimamos, partem, desaparecendo para sempre, eles não ficam extintos. São como estrelas que se evolam na luz do Sol da Realidade. Eles existem pela sua essência, mas tornam-se invisíveis pelos seus atributos.

Este ser não tem fim. Se todos os mares do mundo fossem tinta, e todas as árvores de todas as florestas fossem penas, e todos os átomos da atmosfera fossem escribas, ainda assim não conseguiriam descrever as uniões e os reencontros das almas puras e divinas, bem como a reciprocidade do seu amor.







Rumi (1207 - 1273), 

in "Cartas".









(Versão de Pedro Belo Clara a partir da tradução inglesa de Andrew Harvey in "Teachings of Rumi" - Shambhala Pub., 1999)
















terça-feira, 20 de novembro de 2018

Três poemas místicos de Lao Tsé


I.

O Tao¹ a que se dá um nome
não é o Tao eterno.
O não-nome é o seu verdadeiro nome.

O inominável é a origem do céu e da terra.
O nomear é a mãe de todos os seres.

Se nos esvaziarmos do desejo, vemos o mistério.
Se desejamos, vemos a manifestação das coisas.

Estas duas verdades emergem de uma única origem,
e as duas são um mistério.

Quando o mistério se mistura com o mistério,
abre-se a porta para o desconhecido.


II.

O Tao é uma taça vazia;
quando se usa, não se enche.
Parece não ter fundo.
É como a fonte de todas as coisas.

Ele suaviza as arestas,
desata todos os nós,
atenua o brilho intenso,
reúne toda a poeira do mundo.

É um abismo escondido
mas sempre presente.

De quem é filho? Não sei.
Parece estar muito antes dos deuses.


III.

Trinta raios convergem no eixo,
mas é o vazio que há no centro
que dá utilidade à roda.

O barro é moldado para fazer vasos,
mas é o vazio que há no seu interior
que lhe dá utilidade.

Colocam-se portas e janelas nas paredes,
mas o espaço interior vazio é que é útil.

O ser torna acessível,
mas é o não-ser que é útil.





Lao Tsé (séc. VI a.C. - ?)








(Tradução de Joaquim Palma, in "Tao Te Ching - O Livro do Caminho e da Sabedoria", Editorial Presença, Julho de 2010).









(1) Tao é a palavra chinesa para "caminho". No contexto deste poema, assume obviamente conotações mais filosóficas e, se quisermos, até místicas.










(Escultura em pedra de Lao Tsé no sopé do monte Qingyuan, a norte de Quanzhou, na China)