sábado, 4 de abril de 2020

CANÇÃO LXXVIII


Kabir diz: Ó sadhu¹, escuta
as minhas imortais palavras!
Se desejas o teu próprio bem,
examina-as atentamente.

Afastaste-te do Criador, donde brotaste
perdeste a tua razão, compraste a morte.

Todas as doutrinas e ensinamentos
Dele despontam, Dele crescem:
faz disto a tua certeza e não temas.

Escuta de minha boca
as novas desta grandiosa verdade!

De quem é o nome que cantas,
e em quem meditas?
Oh, sai dessa confusão!

Ele reside no coração de todas as coisas;
porquê tomar refúgio numa desolação vazia?

Se deixares o Guru² a certa distância de ti,
então será apenas a distância
que honrarás; se o Mestre, de facto,
longe estiver, então quem é esse
que vai criando este mundo?

Quando julgas que Ele aqui não está,
deambulas para longe, cada vez mais longe
procurando-O em vão, cheio de lágrimas.

Sempre que O achares longe,
será inatingível; quando perto está,
é Ele o êxtase. 

Kabir diz: Para que o Seu servo não sofra,
Ele o permeia vezes sem conta.

Conhece-te a ti mesmo, então, ó Kabir;
pois Ele está em ti da cabeça aos pés.
Canta com alegria e mantém imóvel
o teu lugar no coração.





Kabir (1440 - 1518)











(Versão de Pedro Belo Clara a partir da tradução inglesa de Rabindranath Tagore em "Songs of Kabir", 1915).











(1) Um termo bastante comum para designar um asceta, um praticante de ioga, um monge itinerante ou um místico. Em suma, alguém que percorre uma via de transcendência da matéria, visando assim a sua comunhão com o divino. De modo mais corrente poderá ser entendido como "aprendiz" ou "devoto". Devido à variedade de significados que lhe são atribuídos, opta-se por deixar o termo na sua forma original. 



(2) Vulgo "Mestre". Kabir utiliza muitas vezes esta palavra para se referir a Deus ou, de modo mais generalizado, extrapolando conceitos religiosos rígidos, ao Divino.













(Gravura ilustrando Kabir no seu tear - aut. desc.)