terça-feira, 17 de novembro de 2020

O PÁSSARO MANSO E O PÁSSARO LIVRE

 
O pássaro manso vivia na gaiola,
e o pássaro livre no bosque.
Mas o destino de ambos
era encontrarem-se
e tinha chegado o momento.

O pássaro livre cantava:
- Amor, vem até ao bosque.
O pássaro preso dizia baixinho:
- Vem tu aqui,
vivamos os dois na gaiola.
E o pássaro livre dizia:
- As almas não podem expandir-se
entre grades.
- Ai - dizia o pássaro preso - 
saberei eu pousar no céu?

O pássaro livre cantava:
- Meu amor,
canta a canção do campo.
O pássaro preso dizia: 
- Fica a meu lado;
vou ensinar-te as canções dos sábios.
pássaro livre cantava:
- Não, não, não;
ninguém pode ensinar as canções.
pássaro preso dizia:
- Ai, eu não sei as canções do campo!

O amor deles é um desejo infinito,
mas não pode voar lado a lado.
Olham-se e tornam a olhar-se
através dos arames da gaiola,
mas é em vão o seu desejo.

Batem as asas, nostálgicos,
e cantam:
- Aproxima-te mais, aproxima-te mais.
pássaro livre grita:
- Não posso.
Que medo me causa 
a tua gaiola fechada!
pássaro preso canta baixinho:
- Ai, não posso.
As minhas asas morreram! 




Rabindranath Tagore (1861 - 1941)









(Tradução de Manuel Simões in "Coração da Primavera", Editorial A.O., 1981.)












("The Caged Bird",
de Niveditha Raveendran)


segunda-feira, 2 de novembro de 2020

REGRESSO AO CAMPO (o quarto de cinco poemas)

 

Durante muito tempo
troquei as montanhas e os lagos
por um cargo oficial
mas agora palmilho montes e rios longamente
pois as planuras, charnecas e bosques
me encantam
levo comigo uma criança pela mão
e afastando arbustos abrindo caminho
andamos pelas ruas de uma aldeia em ruínas
divago meio perdido através de túmulos
e detenho-me nos lugares outrora habitados
pois poços e casas deixam vestígios
silvedos e bambus, cepos apodrecidos. 

Interrogo um lenhador
toda esta gente o que é feito dela
e ele responde voltando-se para mim
estão todos mortos, não ficou vivalma
basta uma geração 
para que a corte e o povo se renove
como é certeiro este ditado
a vida humana é apenas ilusão
acabamos todos por voltar ao nada.





Tao Yuanming (365 - 427)














(Versão de Manuel Afonso Costa in "Poesia e Prosa - Tao Yuanming", Assírio & Alvim, outubro de 2019.)













("Ruína",
de Lingxue.)