quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Seis breves poemas de Bai Juyi

 
I. A brisa no alaúde

Abandono o alaúde no banquinho
e quedo-me sereno, a pensar.
Não é preciso eu dedilhar as cordas,
acaricia-as a brisa, tocam sozinhas.


II. Tranquilidade

O homem feliz vê voar os dias,
o homem triste arrasta os anos, como o caracol.
Quem ignora vicissitudes, alegrias
olha, por igual, o viajar da lua e do sol.


III. Uma nuvem no alto da montanha

Uma nuvem branca no alto da montanha,
intacta face ao avançar da manhã.
O trigo ressequido no campo
perde o viço e o verde.
O homem cresce e murcha,
cumpre e concretiza o quê?
Não pode transformar-se em chuva
e seguir o vento Leste.


IV. Subindo ao terraço de Lingying, olhando para norte

Subindo à montanha,
entendo a pequenez dos domínios do homem,
olhando na distância,
entendo o vazio das coisas terrenas.
Volto a cabeça, regresso à corte e ao mercado,
como um bago de arroz caindo no grande celeiro.


V. Primavera em Luoyang

Ao olhar os arrozais, a Primavera em Luoyang é eterna. 
Regresso, vinte anos após a minha última visita.
Uma coisa não reencontrei, a minha juventude.
Tudo o mais permanece inalterado.


VI. Noite solitária no início do Outono

Ondulam folhas finas por detrás do poço,
lavadeiras batem roupa, o Outono começa a cantar.
Descubro um recanto sob os beirais, adormeço solitário.
Ao acordar tenho o leito inundado de luar. 




Bai Juyi (772 – 846)









(Traduções de António Graça de Abreu in "Poemas de Bai Juyi", Instituto Cultural de Macau, 1991.)








(Bai Juyi, 
num retrato de
Chen Hongshou 
(1598 - 1652))

sábado, 9 de janeiro de 2021

TAMBÉM A LUA ESTÁ OCUPADA

 
Curvo-me diante Deus em gratidão,
e vejo que também a lua
está ocupada a fazer o mesmo.

Curvo-me diante Deus em grande felicidade,
e aprendo donde os sóis,
as crianças e o meu coração
vão buscar a sua Luz.

Curvo-me ao Amigo em profunda reverência,
e descubro um maravilhoso segredo 
levado no vento:

todo este Universo é tão abençoado
e divinamente louco quanto eu,
e quanto eu tão perdido está
nesta Maravilhosa Dança Sagrada.

Meu querido,
depois duma longa, longa jornada,
Deus deu a liberdade a mais uma alma!

Agora, tudo o que Hafiz deseja fazer
é abrir uma bonita Taberna
onde o Vinho Sagrado 
da Verdade, Conhecimento e Amor de Deus
ser-te-á oferecido para sempre.

Oh, curva-te diante Deus em gratidão,
e um dia saberás 
como também a lua 
está ocupada a fazer o mesmo. 




Hafiz (1320 - 1389) ¹









(Versão de Pedro Belo Clara a partir da tradução inglesa elaborada por Daniel Ladinsky in "I Heard God Laughing: Poems of Hope and Joy - Renderings of Hafiz", Penguin Books, 2006.)












(1) Nasceu Shams-ud-din Muhammad, na belíssima cidade jardim de Shiraz, no sul da Pérsia, lugar onde viveu praticamente a sua vida inteira.
Oriundo de uma família pobre, era o mais novo de três irmãos. O pai faleceu quando era ainda adolescente, e assim viu-se forçado a trabalhar como ajudante de padeiro para auxiliar a família e financiar os estudos que decidiu levar a cabo. Apesar das dificuldades, logrou adquirir uma educação notável.
Hafiz tornar-se-ia para a eternidade um dos mais excelentes poetas místicos que a Humanidade conheceu. Dado à poesia desde muito jovem, diz-se que terá escolhido o nome com que o mundo melhor o conhece quando começou a colocá-la no papel. Hafiz significa, literalmente, "memorizador", e era um título nobre dado aos indivíduos cultos que sabiam de cor o Corão inteiro. 
Apesar de célebre, nem sempre granjeou grandes simpatias dado o carácter herético, na óptica dos seus inimigos, da poesia que escrevia. Tanto que conheceu as agruras do exílio, embora nunca tivesse sido realmente efectivo. Na verdade, sendo um dos mais altos nomes do Sufismo, a "Pérola do Islão", notável aluno, primeiro, e mestre, depois, Hafiz destacava-se por uma poesia brilhante, bastante leve, cómica e até subversiva, o que incomodava de sobremaneira as hostes mais conservadoras da religião dominante. 
Mas Hafiz era mais que isso: um homem iluminado, dir-se-ia, que através das suas palavras tentou auxiliar cada Homem a mergulhar em si e a por si descobrir a sua verdade última, o divino dentro do humano que tudo permeia e a tudo subjaz, a real identidade muito para além dum nome, dum corpo ou duma existência que se julgaria levar. 
Terá casado e tido, pelo menos, um filho, mas a ambos Hafiz sobrevivera. Segundo a sua vontade, foi sepultado num dos seus lugares prediletos: junto a um cipreste que ele próprio plantara num roseiral existente às portas de Shiraz. O seu túmulo foi local de romaria durante certa de quinhentos anos.
Ainda hoje, o autor do célebre "Divan" é um dos poetas mais amados no Irão, para muitos um mestre espiritual de excelência, cujos ensinamentos continuam capazes de resgatar às teias das ilusões mundanas o coração mais extraviado e adormecido.









(Retrato de Hafiz,
por H. Shakiba)