sábado, 18 de setembro de 2021

Oito haikus - sécs. XV a XIX

 

I.

para aprender a morrer
observa as flores de cerejeira
observa os crisântemos


Anónimo.




II.

as flores caídas
regressam todas ao ramo
quando observo borboletas

Moritake (1452 – 1540)




III.

o orvalho¹ chega
e não discrimina
faz casa donde está

Sôin (1604 – 1682)




IV.

uma folha cai
e logo outra
roubada pela brisa

Ransetsu (1654 – 1707)




V.

silenciosamente, as flores
falam ao ouvido interior
– verdadeira obediência

Onitsura (1660 – 1738)




VI.

desde que as glórias-da-manhã²
fizeram o balde do poço refém
por água mendigo

Chiyo (1701 – 1775)




VII.

apenas a lua e eu
sozinhos nesta ponte
cada vez mais enregelados

Kikusha-Ni (1752 – 1826)




VIII.

quando o rouxinol-do-bosque³
canta, o velho sapo
arrota em resposta

Shôha (séc. XIX)










(Versões de Pedro Belo Clara a partir das versões inglesas elaboradas por Sam Hamill em “The Sound of Water: Haiku by Bashô, Buson, Issa and Other Poets”, Shambhala Pub., 1995.)











(1) Na versão inglesa surge "white dew", ou seja, "orvalho branco". Embora possa parecer algo redundante em português, importa referir que no calendário lunar chinês, que se divide em 24 ciclos solares, o 15º designa-se "orvalho branco". Inicia-se geralmente em meados de setembro e marca o início da fase outonal mais fria, onde as temperaturas mais baixas dão usualmente lugar a tal fenómeno - que, no fundo, corresponderá à mais familiar geada. Assim sendo, o uso desse termo poderia constituir uma tradução mais acurada, mas a versão inglesa do texto não de aproximou dessa designação (poderia recorrer a "frost"), optando por não interpretar o termo, simplesmente apresentá-lo em tradução directa. 


(2) Nome comum dado a uma família de plantas que alberga vários géneros. São geralmente trepadeiras anuais de rápido crescimento, por vezes designadas por corriola ou cordas-de-viola. Têm a particularidade de fechar as suas flores quando a luz solar se extingue. 


(3) A versão inglesa propõe a forma "bush warbler", literalmente "toutinegra-do-bosque". Contudo, no poema original surge a palavra uguisu, que em inglês corresponderá a "rouxinol japonês do bosque", isto é, o famoso Horornis diphone, um exemplar típico do Japão e de outros países asiáticos. Em suma, um tipo de rouxinol em concreto e não um tipo mais vago de ave que a tradução inglesa poderia sugerir. Naturalmente, compreende-se a omissão do termo que faz referência à sua terra nativa, pois o autor nunca o utilizaria. Transpondo tudo isto para o português, dado que a espécie não existe por cá, poder-se-ia utilizar a sua versão mais aproximada, que seria o rouxinol-bravo (Cettia cetti), dado pertencer, como o seu primo japonês, à alargada família dos Cittiidae e, como este, tratar-se de um exemplar mais facilmente escutado do que observado, um amante de densas matas. Contudo, uma vez que o espécime português não existe na Ásia, e considerando também a extensão desta família de aves canoras insectívoras, optou-se pela forma que mais fielmente indicará o género de pássaro em causa: o rouxinol-do-bosque.










(Autor desconhecido.)


sábado, 11 de setembro de 2021

Seis breves poemas de Bai Juyi

 
I. Os grous

As pessoas procuram sempre o que lhes dá prazer;
imutáveis as coisas, mutáveis os sentimentos dos homens.
Talvez os grous possam dançar, elegantes e altivos.
Gosto mais deles, de pé, silenciosos, solitários. 


II. O espelho e a taça

Quero trocar o espelho de bronze 
por uma taça dourada ou de jade branco.
No espelho não posso fugir à velhice,
mas minhas penas dissipam-se na taça de vinho.


III. Frescura de outono

Calmo, tranquilo, durmo o dia inteiro;
velho, doente, esquecido pelos outros homens.
Ao cair da tarde, à entrada da casa,
um imenso tapete de flores de acácia.


IV. Início da primavera

A neve derrete, os dias cada vez mais quentes,
o gelo desaparece, raios de sol inundam a terra,
pouco a pouco os rebentos ganham força.
A primavera só não desfaz a geada branca em meus cabelos.


V. Velhice 

Por vezes, um dia inteiro caminhando no jardim;
por vezes, até nascer o sol sentado diante da candeia.
Ninguém entende os meus silêncios.
De quando em quando, um longo suspiro.


VI. Os damasqueiros da aldeia de Zhao

Venho todos os anos ao desabrochar dos damasqueiros.
Há três lustros, tantas vezes olhei as flores vermelhas!...
Tenho setenta e três anos, regressarei uma vez mais?
Esta primavera estou aqui para lhes dizer adeus.





Bai Juyi (772 – 846)













(Traduções de António Graça de Abreu in "Poemas de Bai Juyi", Instituto Cultural de Macau, 1991.)














"Love Birds and Pink Flowers",
de T. C. Chiu