quarta-feira, 24 de abril de 2024

O ESPAÇO DA CONSCIÊNCIA (Parte 1)


Aquele que é puro de coração
Está destinado a realizar-se,
Seja qual for a via que lhe ensinaram.
O homem mundano procura a vida inteira,
E ainda permanece confuso.

Desapegado dos sentidos,
És livre.
Apega-te e ficarás preso.
Quando isto é compreendido,
Poderás viver como melhor entenderes.

Quando isto é compreendido,
Aquele que é inteligente e ocupado
E cheio de palavras finas
Fica silencioso.
Ele nada faz,
Ele permanece quieto.
Não admira
Que aqueles que desejam desfrutar do mundo
Afastem este entendimento!

Não és o teu corpo.
O teu corpo não é quem és.
Não és aquele que faz.
Não és aquele que desfruta.
És consciência pura,
Testemunha de todas as coisas.
És, sem expectativa:
Livre.
Onde quer que vás,
Sê feliz!

O desejo e a aversão são domínio da mente.
A mente nunca é tua.
Estás livre do seu tumulto.
És a consciência em si,
Imutável.
Onde quer que vás,
Sê feliz.

Observa!
O Ser está em todas as criaturas
E todas as criaturas estão no Ser.
Entende que és livre,
Livre do “eu”,
Livre do “meu”.
Sê feliz.

Em ti, mundos despontam
Como as ondas do mar.
É verdade!
És a consciência em si.
Então, liberta-te
Da febre do mundo.

Tem fé, meu Filho, tem fé.
Não fiques confuso.
Pois estás além de todas as coisas,
O coração de todo o conhecimento.
És o Ser,
És Deus.

O corpo está limitado
Pela sua natureza.
Chega,
Demora-se por momentos
E parte.
Mas o Ser não chega nem parte.
Então, porquê lamentar o corpo?

Se o corpo durasse até ao fim do tempo,
Ou desaparecesse hoje mesmo,
Que ganharias ou perdias tu?

És consciência pura.






Ashtavakra (? - ?)












(Versão de Pedro Belo Clara a partir da tradução inglesa de Thomas Byrom in "The Heart Of Awareness - A Translation of the Ashtavakra Gita", Shambhala Dragon Editions, 2001.)











(autor desconhecido)



sexta-feira, 1 de março de 2024

O TOLO

 

Por natureza, a minha mente é vazia.
Mesmo dormindo, permaneço desperto.
Penso em coisas sem pensar.
Todas as impressões que tinha do mundo
Dissolveram-se.

Os meus desejos desapareceram.
Que me importa o dinheiro,
Os sentidos – esses ladrões –
Ou amizades, conhecimento, os livros sagrados?

Libertação,
Apego,
O que são para mim?
Que me importa a liberdade?
Conheci Deus,
O Eu infinito,
A testemunha de todas as coisas.

Por fora, um tolo;
Por dentro, livre de pensamentos.
Faço o que bem entendo,
E apenas aqueles como eu
Compreendem meus modos.





Ashtavakra (? - ?)














(Versão de Pedro Belo Clara a partir da tradução inglesa de Thomas Byrom in "The Heart Of Awareness - A Translation of the Ashtavakra Gita", Shambhala Dragon Editions, 2001.)











"Gaura Nitai", 
de Syamarani Dasi



quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

FELICIDADE



Mesmo que nada tenhas,
É difícil descobrir o contentamento
Que advém da renúncia.
Eu nada aceito,
Eu nada rejeito
E sou feliz.

O corpo estremece,
A língua hesita,
A mente está cansada.
Abandonando-os,
Persigo alegremente o meu propósito.

Sabendo que nada faço,
Faz-se o que tiver de ser feito,
E sou feliz.

Apegado ao seu corpo,
Aquele que busca insiste em esforçar-se
Ou sentar-se muito quieto.
Mas eu não mais suponho
Que seja meu o corpo,
Ou que não o seja.
E sou feliz.

Dormindo, sentado, caminhando
Nada de bom ou mau me acontece.
Durmo, sento-me, caminho
E sou feliz.

Em esforço ou em repouso,
Nada é ganho ou perdido.
Abandonei a alegria de ganhar
E a tristeza de perder.
E sou feliz.

Os prazeres vêm e vão.
Quantas vezes observei a sua inconstância!
Abandonei o bom e o mau,
E agora sou feliz.





Ashtavakra (? - ?)















(Versão de Pedro Belo Clara a partir da tradução inglesa de Thomas Byrom in "The Heart Of Awareness - A Translation of the Ashtavakra Gita", Shambhala Dragon Editions, 2001.)












("Tree of Happiness", por Leon Devenice)






quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

REALIZAÇÃO


Primeiro, abdiquei da acção;
Depois, das palavras vãs;
Por fim, do pensamento.
Agora, estou aqui.

Libertando a mente de distrações,
E só nisso concentrado,
Apaguei sons e todos os sentidos,
E estou aqui.

A meditação é necessária
Apenas quando a mente se distrai
Na falsa imaginação.
Sabendo disto,
Eu estou aqui.

Sem alegria ou tristeza,
A nada me apegando e nada rejeitando,
Oh, Mestre, eu estou aqui.

Que me importa
Se observo ou negligencio
As quatro fases da vida¹?
A meditação,
O controlo da mente,
Não passam de meras distrações!
Agora, eu estou aqui.

O fazer e o não fazer
Despontam da ignorância.
Compreendendo isto profundamente,
Eu estou aqui.

Pensar no que reside
Além do pensamento
É ainda um pensamento.
De pensar eu desisti,
Eu estou aqui.

Quem realizar esta verdade
Realiza a sua própria natureza
E torna-se, em verdade, realizado.





Ashtavakra (? - ?)










(Versão de Pedro Belo Clara a partir da tradução inglesa de Thomas Byrom in "The Heart Of Awareness - A Translation of the Ashtavakra Gita", Shambhala Dragon Editions, 2001.)











(1) Nas antigas tradições orientais, as quatro fases da vida dum indivíduo, asrama, eram as seguintes: juventude e instrução, cuidar do lar, retiro na floresta e renúncia. 













(Autora: Swati Pasari)