sexta-feira, 24 de março de 2017

LEMBRANDO A SINOS DOIRADOS


Arruinado e doente: um homem de duas medidas.
Bela e inocente: uma menina de três.
Não nasceu rapaz, mas ainda assim 
foi melhor do que não ter nenhum.
Para acalmar um sentimento incómodo,
de tempos a tempos um beijo era dado.

Então o dia surgiu. Subitamente levaram-na de mim.
A sombra da sua alma vagueou nem sei por onde.
E quando recordo a hora em que morreu,
e como balbuciava estranhos sons,
estando ainda a aprender a falar, 
lembro como os laços de sangue e carne
apenas nos ligam a uma imensidão
de dor e sofrimento.

Por fim, evocando o tempo
anterior ao seu nascimento,
pelo pensamento e pela razão
pude afastar de mim os lamentos.

Desde que o meu coração a esqueceu
muitos dias se passaram,
e por três vezes o inverno
se transformou em primavera.
Esta manhã, por um momento,
o velho pesar regressou,
ao na estrada encontrar
quem enferma a acolheu
e dela então cuidou.



Bai Juyi (774-846)






(Versão de Pedro Belo Clara a partir da tradução inglesa elaborada por Arthur Waley).







(Narcisos, os famosos "Sinos Doirados")




segunda-feira, 13 de março de 2017

SINOS DOIRADOS


Tenho uma filha de nome Sinos Doirados.
Já um ano se passou desde o seu nascimento.
Está a aprender a se sentar, 
e falar ainda não sabe.

Envergonho-me ao ver que não tenho 
o coração dum sábio;
não consigo resistir 
a pensamentos e a sentimentos vulgares.
Daqui em diante estarei preso 
a questões que me ultrapassam.
A única recompensa: o prazer que agora recebo.

Se for poupado à dor da sua morte prematura,
então terei a preocupação de a ver casada.
Os meus planos para regressar às colinas
quando a reforma começasse
ficam agora adiados por quinze anos.


Bai Juyi (774 - 846)



(Versão de Pedro Belo Clara a partir da tradução inglesa elaborada por Arthur Waley).