I.
Como está desamparado
o pássaro branco!
O céu e o mar ambos azuis:
ele paira contudo entre eles
sem se tingir da sua cor.
II.
A colina adormecida:
a seus pés
o mar dormindo:
através da primavera abandonada
prossigo a minha viagem.
III.
A meu lado
as flores das ervas do outono
murmuram baixinho:
«Como me são queridas
todas as coisas que morrem».
Wakayama Bokusui (1885 - 1928) (**)
(Selecção de Pedro Belo Clara a partir das traduções de Luís Pignatelli, in "A Pedra-que-mata, Poesia Japonesa" - Língua morta, 2016)
(*) O Tanka, estilo poético japonês que face à massiva prática e divulgação do Haiku parece actualmente adormecido entre os registos literários que chegam e se praticam no Ocidente, tem o seu apogeu entre os séculos VI e VIII. Originalmente, era a forma mais comum utilizada pelas mulheres cultas da corte japonesa para registarem a sua arte. A partir dela nasceriam outros estilos de igual fama, como a Renga ou o próprio Haiku.
Significa, literalmente, "poema curto" e compõe-se por cinco versos que, respectivamente, obedecem ao seguinte esquema: 5 - 7 - 5 - 7 - 7, divididos por duas estrofes (5 - 7 - 5 // 7 - 7) No total, o poema perfaz trinta e uma sílabas. Posteriormente, cada estrofe seria composta por autores diferentes, sendo que dois seria sempre o número necessário de poetas para criar um tanka (algures entre os séculos XII e XIV). Mais tarde, já em pleno amadurecimento do século XIX, as temáticas geralmente retratadas nestes poemas sofrem a consequência do minimalismo então crescente, algo que se adequa perfeitamente a um estilo de poema que desde o berço se quer "curto".
(**) Wakayama destacou-se como um autor de tankas de inclinação naturalista, tendo vivido o período por excelência da ressurreição deste estilo, levado a cabo pelo também poeta e ensaísta Yosano Tekkan. Publicou o seu primeiro livro em 1908, e durante a sua vida, um pouco à semelhança do mestre do haiku Matsuo Bashô, realizaria diversas viagens pelo Japão e Coreia, à época sobre o domínio imperial dos nipónicos. Por isso, é fácil constatar que em sua obra os lugares que lhe calhava visitar são maioritariamente descritos na sua fisionomia e recorte paisagístico, algo que na mostra poética de hoje se poderá verificar de um claro modo. Possuía um profundo amor pelo sake, de tal modo sólido que o seu pobre fígado não aguentaria as intensidades dessa tamanha paixão, vindo a falecer aos quarenta e três anos de idade, provavelmente ainda com inúmeros tankas a implorar o seu nascimento. Antes da sua morte, terá escrito o seguinte haiku: «Uma palavra de despedida? / A neve que derrete / não tem odor».

Wakayama Bokusui (1885 - 1928)