terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Seis haikus de Bashô


I. ¹

chuvas e neblinas - 
o dia em que não se vê o Monte Fuji
é o mais delicioso


II. ²

dormito sobre o cavalo
e a lua ao longe
é vapor do chá da manhã


III. ³

o macaco grita
mas que diria ele da criança
que é abandonada ao vento de outono?


IV. ⁴

se eu segurasse a caixa
os cabelos seriam lágrimas quentes
que passariam a geada de outono


V. ⁵

coberta de musgo
a sempre absorta hera
é uma oração budista


VI. ⁶

lua
e flores - 
os verdadeiros mestres







Matsuo Bashô (1644 - 1694)









(Tradução de Joaquim M. Palma, in "O Eremita Viajante", Assírio & Alvim, 2016).











(1) Este haiku, como era então habitual, vem originalmente precedido por um comentário escrito pela mão do autor. Tal gesto servia muitas vezes como um modo de melhor enquadrar o haiku antes de o apresentar ao leitor, oferecendo uma imagem geral das circunstâncias donde nasceu o momento em que o poema foi escrito. Ei-lo, então: «Choveu no dia em que saí para os campos; todas as montanhas estavam ocultas pelas nuvens.»


(2) Já este haiku traz consigo o seguinte comentário: «Deixei a hospedaria a meio da noite; quando a alvorada despontava, lembrei-me do poema "O Chicote Inclinado", de Tu Mu.» 
Acrescente-se que o poema a que Bashô se refere é datado do século IX e fala sobre uma situação em que o seu autor, tal como o mestre do haiku, cavalgava de noite e assim ia caindo no sono.


(3) Para além da conotação real do acontecimento, isto é, do escutar do grito do macaco, na poesia chinesa clássica tal som era associado a um sentimento de tristeza. Aqui relacionado com uma criança abandonada, adquire uma dimensão sentimental ainda mais cortante. 


(4) Antes deste haiku, Bashô escreveu o seguinte: «No início de setembro, regressei ao meu lugar de nascimento. Nada do que fora de minha mãe restava. A erva em frente da casa estava queimada pela geada. Tudo tinha mudado. O meu irmão e irmãs tinham o cabelo grisalho e rugas profundas na testa. Todos dizíamos: 'Temos sorte em estar vivos', e nada mais. O meu irmão mais velho abriu uma caixa e falou para mim: 'Vê o cabelo branco da mãe. Há muito que não nos visitavas. Esta caixa é como a caixa de jóias de Urashima Tarô. As tuas sobrancelhas tornaram-se brancas'. Ficámos comovidos por uns instantes, depois compus este poema.» 
Esclareça-se que Urashima Tarô é o protagonista duma história em que salva uma tartaruga das mãos de duas crianças que a queriam matar. Como recompensa, o simpático réptil guia o seu salvador até um palácio no fundo do mar. Muitos anos depois regressa a terra, trazendo apenas consigo uma caixa com recordações desse mágico lugar.


(5) Antes de se poder ler este haiku, Bashô deixa o apontamento: «Na sepultura de Tomonaga, província de Mino». 
Note-se que a hera é um símbolo da eterna recordação.


(6) Aqui, o autor esclarece: «Os três veneráveis anciãos possuíam o talento da elegância poética e expressaram os seus sentimentos em poemas de infinito valor. Aqueles que escutaram esses poemas manifestaram um crescente respeito pelos seus autores.»
Perante isto, torna-se óbvia a subversão de Bashô, ao aclamar a lua e as flores, no fundo todas as coisas naturais e simples, como «os verdadeiros mestres».









("Rosados e brancos rebentos de ameixieira ao luar", 
de Sō Shizan (1733–1805))



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