domingo, 13 de outubro de 2019

ARUNI E SVETAKETU


Svetaketu era um jovem com muitos desassossegos espirituais e também com muita confusão mental. Ouvia muitas vezes falar da Consciência ou Ser, naquele em que os hindus crêem, mas ele continuava sem compreender quando lhe diziam que o Ser tudo permeia e em tudo se diversifica. Como é isso possível?, questionava-se inquieto e desorientado. 

Como Svetaketu tinha um óptimo relacionamento com o pai, Aruni, resolveu consultá-lo. O pai explicou-lhe: 

- Querido filho, assim como as abelhas preparam o mel recolhendo o néctar de diversas plantas para com ele fazer a sua essência, assim como o néctar não consegue discriminar e dizer: «eu sou desta planta e não sou daquela», também as criaturas não sabem que estão imersas no Ser Supremo. 

Quando Svetaketu fez doze anos foi enviado a um mestre para ser instruído nos Vedas¹ durante os doze anos seguintes. 

Depois desses doze anos terem passado, o jovem achava que era um sábio e por isso se tinha tornado arrogante e muito vaidoso. De regresso à casa paterna, Aruni logo se apercebeu do temperamento do filho e disse-lhe: 

- Por te julgares sábio, meu filho, tornaste-te arrogante. Que tristeza! Contudo, não sabes que o Ser Supremo é aquele pelo qual o que não se ouve é ouvido, o que não se pensa é pensado e o que não é conhecido se conhece. 

Era certo que o jovem não sabia nada disto. Como, sem dúvida, era inteligente, apercebeu-se da sua ignorância e com humildade disse: 

- Meu pai, ensine-me essas verdades. 

Aruni começou a falar: 

- Querido filho, da mesma forma que conhecendo um pedaço de argila se conhece tudo o que é feito de argila, pois todas as variantes não passam de nomes e cada nome não é mais do que uma palavra, enquanto a argila é a verdade, o real. Meu filho, da mesma forma que conhecendo um lingote de ouro, ou de cobre ou uma jóia se conhece tudo o que é feito com esses materiais, uma vez que todas as variantes não passam de nomes e cada nome não é mais do que uma palavra, e o ouro e o cobre são a verdade, o real. Da mesma forma, meu filho, que quando temos conhecimento de uma tesoura de ferro tudo o que é de ferro se conhece, pois todas as variantes não são mais que nomes e os nomes não são mais que palavras, e o ferro é a única realidade. 

Então o jovem apercebeu-se de quão grande mestre era o pai. Também compreendeu com lucidez que ele e o pai eram animados pelo mesmo Ser. Pai e filho abraçaram-se. A dualidade na realidade. 

--------- 

«Ainda que as pérolas do colar sejam inúmeras, o fio que as encadeia é um e o mesmo.»





Anónimo. 




("Contos Espirituais da Índia", A Esfera dos Livros, Maio de 2019 - Antologia organizada por Ramiro Calle.)










(1) Os Vedas são um conjunto de quatro livros que formam a base das sagradas escrituras do hinduísmo, tendo o mais antigo de todos, no mínimo, quatro mil anos de existência.