sexta-feira, 29 de novembro de 2019

OVOS E O REI


Certo dia, um rei e o seu séquito entraram pela casa de chá onde Nasrudin¹ trabalhava.

Pediram omeletas e, depois da refeição, o rei disse para o mulá² :

- Quanto lhe devo?

- Para o senhor e os seus companheiros, as omeletas ficam a dez moedas de ouro.

O rei ergueu as sobrancelhas.

- Os ovos são muito caros por aqui. São assim tão raros?

Respondeu-lhe Nasrudin:

- Aqui não são os ovos que são raros, majestade... O que é raro são as visitas de um rei. 




Anónimo.










(Tradução de Luzia Almeida a partir da recolha de J. A. Decourdemanche, em "A Sabedoria dos Idiotas", Alma dos Livros, setembro de 2019.)












(1) Nasrudin Hodja é uma personagem que vive entre o mito e a realidade. O seu nome significa, literalmente, "A Vitória da Fé". Julga-se, apesar de todo o mediatismo que goza no mundo oriental, concedendo-lhe um estatuto de lenda, que terá vivido no século XIII na actual Turquia - à época o sultanado seljúcida da Anatólia. Foi um mestre sufi de apurado humor e de uma inteligência ímpar, tanto que, graças à sua profundidade nem sempre apreendida ao primeiro contacto, por diversas vezes passa por um simples tolo... Mas com sábios intentos, diga-se.
A sua figura tornou-se mito com o passar dos séculos, e actualmente existem várias centenas de histórias e anedotas que no oriente se contam divertida e descontraidamente, tendo Nasrudin como figura central. Tantas que já se tornou impossível distinguir as que foram realmente protagonizadas em vida pelo mulá das que posteriormente se inventaram. 
Por vezes é retratado como um sábio, outras como um tolo; numas é um mulá, noutras uma figura de vida simples e humilde. Mas a essência é a mesma: passar uma mensagem significativa através da aparente tolice do comportamento da sua figura, usando assim o riso e o ridículo como um modo de atingir o mais fundo do ser humano. De grande simplicidade, são na verdade histórias com um elevado teor místico; contrariam a seriedade típica de sociedades reprimidas nos seus impulsos naturais e, assim, rompem o denso tecido da obscuridade em que vivem. São, por outras palavras, histórias que visam o despertar espiritual do seu ouvinte. 
Ainda nos dias de hoje, no princípio do mês de julho, realiza-se na sua cidade natal, Akshehir, uma festa em honra da divertida personagem. 



(2) De um modo geral, esse nome era atribuído a todo o homem muçulmano instruído, embora seja aos clérigos dessa religião que mais comummente ele se destina. Mas como o homem letrado recebia, à época, formação religiosa, tornando-se versado na lei sagrada do Islão, os mais simples concediam-lhe o mesmo título, ainda que não se tornasse para a vida um líder religioso.  
Na origem, mawlã significa "vigário", "mestre" e até "guardião".














(Nasrudin montado no seu burro, 
miniatura do séc. XVII de autor desconhecido, 
originária da Turquia.)



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