Era uma vez um rei que começara a
questionar-se se alguém teria a capacidade de adivinhar o que ele pensava.
Nunca se perguntara se era ou não possível a leitura do pensamento, mas, nas
últimas semanas, não conseguia deixar de reflectir sobre isso. Poderá
alguém ler os meus pensamentos? Existirá alguém capaz de adivinhar aquilo que
penso? E tanto assim era que o monarca começou a fazer testes
relativamente às pessoas que lhe eram mais próximas.
Foram muitos os que tentaram, mas fracassaram rotundamente. Bastou que assim fosse para o rei se empenhasse ainda mais em encontrar alguém capaz de se ligar aos seus pensamentos.
Chamou o seu primeiro-ministro e ordenou:
– Procura-me alguém que possa adivinhar os meus pensamentos.
O primeiro-ministro estava desconcertado, mas o rei era o rei. Que fazer? Nessa noite, o primeiro-ministro estava tão pesaroso que a filha lhe perguntou o que se passava.
– Nem podes imaginar, minha filha – compadeceu-se o homem. – O rei pediu-me que procure alguém capaz de lhe adivinhar os pensamentos. Não sei a quem posso recorrer.
– Não te preocupes, pai – disse a jovem. – Procurarei alguém.
O primeiro-ministro suspirou de alívio. Oxalá a sua filha conseguisse encontrar alguém.
Passou um par de dias. Qual não foi a surpresa do primeiro-ministro quando a sua filha lhe sugeriu como a pessoa ideal um pastor que mal sabia como se expressar, muito tosco e simplório.
– Este pastor é a pessoa de que precisas, pai – disse a jovem.
– Mas se parece ser um simplório – protestou o primeiro-ministro, atónito. – Não creio que saiba sequer o que são pensamentos, quando mais adivinhar os do rei!
Mas a jovem insistiu e o primeiro-ministro não contava com mais ninguém, pelo que conduziu o pastor à presença do monarca.
As expectativas eram muito grandes. Reunira-se a corte e o rei não queria ser defraudado. O primeiro-ministro estava aterrado. O que resultaria de tudo aquilo? Um rei que desejava que alguém lhe adivinhasse os pensamentos, um pastor que era incapaz de ver para lá do seu nariz, uma corte inteira à espera do espectáculo… O primeiro-ministro mal conseguia disfarçar a sua angústia.
Entrou no salão, acompanhado pelo pastor. Quando os cortesãos viram o pastor simplório, houve um burburinho generalizado, ainda que abafado para não despertar a fúria do monarca. O pastor foi conduzido a poucos metros do rei e colocou-se diante dele. Fez-se um enorme silêncio; a tensão era quase palpável, de tão intensa. Era a primeira vez que o pastor via um rei. Olhando-o de frente, o monarca levantou um dedo. O pastor, nem torpe nem preguiçoso, levantou então dois dedos. Mas, acto contínuo, o rei levantou três dedos. O pastor abanou energeticamente a cabeça em negação e quis fugir dali, mas a guarda não lho permitiu. Toda a assistência receava o pior. Quando o rei se irritava, era terrível. Mas, para surpresa geral, o monarca deu uma gargalhada e demonstrou a sua grande satisfação. Felicitou o primeiro-ministro por lhe ter trazido a pessoa ideal e ordenou que dessem ao pastor uma bolsa com abundantes moedas de ouro.
O pastor abandonou a corte. Se havia alguém estupefacto, era o primeiro-ministro. Não entendia nada. Tentando extrair alguma explicação ao monarca, perguntou:
– Que tal, senhor?
– Bem viste, meu primeiro-ministro – replicou o monarca, animado. – Fantástico, melhor era impossível. Quando levantei um dedo, estava a perguntar com os meus pensamentos se existia alguém mais poderoso do que eu, que me considero o mais poderoso dos monarcas. Então, ao levantar os dois dedos, o adivinho disse-me que Deus é mais poderoso do que eu. Levantando os três dedos, perguntei-lhe então se existia ainda alguém mais poderoso do que eu. Ele respondeu energeticamente que não. Leu magnificamente os meus pensamentos e, além disso, fez-me recordar de que sou o mais poderoso monarca, mas não tanto como Deus, naturalmente.
Nessa noite, o primeiro-ministro regressou a sua casa. Pelo caminho, encontrou-se com o pastor, que, encantado, contava e recontava as moedas da recompensa. O primeiro-ministro já tinha ouvido a explicação do rei sobre a conversa mantida com os dedos, mas agora queria ouvir a do pastor simplório.
– Foi muito fácil entender Sua Majestade – disse o pastor. – Muito fácil. Quando levantou um dedo, percebi que queria uma das minhas três ovelhas. Como é rei, eu, levantando dois dedos, ofereci-lhe duas. Mas será ganancioso, o rei! Ofereço-lhe duas das minhas ovelhas e ele levanta o terceiro dedo e pede-me as três. Isso era demasiado. Por isso, opus-me energeticamente, mas, com medo do castigo, tentei escapar.
O primeiro-ministro riu-se para consigo.
– O que não consigo entender – acrescentou o pastor – é porque me recompensou o rei depois de eu lhe ter recusado a terceira ovelha.
– Não te preocupes com isso – disse o primeiro-ministro. – Goza o teu dinheiro. Agora, poderás ter muitas ovelhas.
(Conto colectado por Ramiro Calle e editado em "Contos Espirituais do Tibete", Albatroz, 2021.)