sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Oito haikus de Kobayashi sobre gatos

 
I. 

adormecido
no altar doméstico¹
o gato ladrão


II.

folhas caindo - 
o gatinho rodopia
tentando apanhá-las


III.

a sua cara tão inocente - 
a gata com cio
regressa a casa


IV.

dez gatinhos
dez cores
diferentes


V.

gatos com cio
separados pela parede - 
amantes que não se tocam


VI.

o guizo do gato
por entre as peónias
ora aqui ora ali


VII.

arranhando a janela e chorando
o gato banido - 
noite gelada


VIII.

pequeno tapete de palha - 
o gato chega com um casaco
de flocos de neve




Kobayashi Issa (1763 - 1827)

















(Tradução de Joaquim M. Palma in "Kobayashi Issa: Os animais - haikus", Assírio & Alvim, 2019.)











(1) Era tradição cada casa possuir um altar privado, fosse de índole xintoísta ou, como o poeta, budista. Geralmente, eram aí feitas oferendas a um certo deus ou a Buda, e também se queimava incenso. Era de igual modo comum existir um que honrasse e celebrasse a memória dos antepassados familiares. Por aquilo que lemos no haiku, depreende-se que o gato tenha comido a oferenda feita e, após o repasto, decidido tirar uma boa soneca em pleno local do crime. 












"Hotaruso",
de Fumika Koda (1986 - )


terça-feira, 16 de novembro de 2021

Oito haikus outonais de Bashô (Parte II)

 
I.

os nossos corações estão em paz
na pequena sala de chá - 
o outono ronda lá fora


II.

neblina rente ao chão -
debaixo do luar
uma planície de nuvens


III.

campos de algodão - 
flores de luar
por todo o lado


IV. 

(Ao saber que a monja Jutei¹ tinha falecido.)

nesta festa das almas²
também tu
vais estar presente


V. 

roncos de veado
dentro da noite - 
a tristeza


VI.

de repente
uma nuvem encobrindo o sol - 
aves migratórias


VII.

(Pensamento...)

pela estrada
onde ninguém passa
parte o outono


VIII.

outono - 
porque será que envelhecer
é como um pássaro dentro das nuvens?






Matsuo Bashô (1644 - 1694)











(Tradução de Joaquim M. Palma, in "Matsuo Bashô - O Eremita Viajante (Haikus - Obra Completa)", Assírio & Alvim, 2016.)









(1) Especula-se que Bashô tenha tido um relacionamento amoroso com esta mulher, uma monja xintoísta, mas de modo geral aceita-se a ideia como mera suposição. Ademais, existem indícios, alguns deixados pelo punho do próprio Bashô, que ligam o poeta a um comportamento homossexual. Em todo o caso, isto poder-se-á afirmar: Bashô conheceu Jutei e por ela nutria um certo carinho.


(2) O Obon é celebrado todos os anos por volta do dia 15 de agosto (depende das regiões do Japão), sendo um festival muito antigo, de origens budistas, que homenageia os antepassados já falecidos. É, assim, costume as famílias deslocarem-se aos cemitérios ou aos lugares de repouso dos seus entes queridos para limpar os túmulos e honrar a sua memória. Dura três dias, esta festividade que inclui sempre uma dança: o Bon Odori.











"Ervas Outonais ao Luar",
de Shibata Zeshin 
(1807 - 1891)