O homem que é feliz e puro
E aprecia a sua própria companhia
Colhe o fruto da sua prática
E o fruto da sabedoria.
O homem que conhece a verdade
Nunca está insatisfeito com o mundo.
Pois ele só preenche o universo.
Assim como o elefante adora
As folhas da bosvélia,
Mas evita as folhas de nim,
O homem que a si se ama
Sempre menospreza os sentidos.
É difícil encontrar
Um homem sem desejos
Por aquilo que ainda não provou,
Ou que saboreia o mundo
Mas pelo mundo não se deixa tocar.
Neste mundo
Alguns anseiam pelo prazer,
Outros procuram liberdade;
Mas é difícil encontrar
Um homem que não os queira.
É ele grande em espírito.
É difícil encontrar
Um homem que tenha uma mente aberta,
Que não procure nem evite
Riqueza ou prazer,
Dever ou libertação,
Vida ou morte.
Não pretende que o mundo acabe,
Não se importa se continuar o seu rumo.
O que quer que aconteça a um homem assim,
Ele vive feliz –
Pois é veramente abençoado.
Agora que compreende,
É um homem realizado.
A sua mente é atraída para dentro.
Observa e escuta,
Toca, cheira e saboreia
E é feliz.
O que quer que faça é sem propósito.
Os seus sentidos foram serenados.
Os seus olhos são vazios.
Ele não possui desejo ou aversão.
Para ele, as águas do mundo
Já secaram todas!
Ele não dorme
Nem está acordado.
Nunca fecha ou abre
Os seus olhos.
Esteja onde estiver,
Está além de tudo.
Ele é livre.
E o homem que é livre
Vive sempre no coração.
Tal coração é sempre puro.
Não importa o que acontece,
Ele está além de qualquer desejo.
O que vê ou escuta ou toca,
O que cheira ou prova,
O que adquire,
Permanece livre.
Livre do esforço
E da quietude.
É ele, sem dúvida, grande em espírito.
Sem culpa ou elogio,
Raiva ou júbilo.
Ele nada dá,
Ele nada toma para si.
Ele nada quer,
Nada quer em absoluto.
Quem quer que se aproxime,
Uma mulher exalando paixão
Ou a própria Morte,
Ele não se permite abalar.
Permanece no coração.
Em verdade, é livre!
Para ele, não há diferença:
Homem ou mulher,
Sorte ou azar,
Alegria ou tristeza.
Não há diferença.
Ele permanece sereno.
O mundo não mais o envolve.
Chegou além das amarras
Da natureza humana.
Sem compaixão
Ou desejo de magoar,
Sem orgulho ou humildade.
Nada o perturba,
Nada o surpreende.
Por ser livre,
Não anseia nem despreza
As coisas do mundo.
Recebe-as tal como lhe chegam.
A sua mente vive desapegada.
A sua mente está vazia.
Ele não está preocupado com a meditação
Ou a ausência de meditação,
Ou a luta entre bem e mal.
Só,
Está além de tudo.
Não existe um “eu”,
Não existe um “meu”,
Ele sabe que nada há.
Todos os seus desejos interiores desvaneceram-se.
O que quer que faça,
Ele nada faz.
A sua mente deixou de trabalhar!
Simplesmente diluiu-se…
E com ela
Os sonhos, as ilusões, a dormência.
Não há nome
Para aquilo em que se tornou.
Ashtavakra (? - ?)