segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016
Três poemas de Li Bai - Lamentos em tempo de guerra
I. Os corvos crocitam à noite
Nuvens de poeira amarela sobre os muros da cidade,
Os corvos voltam aos seus ninhos e crocitam nos ramos.
Por detrás da cortina azulada da sua janela,
Uma jovem tece um brocado em seu tear.
De repente, pára com a lançadeira,
Pensa tristemente no marido que está longe
E, sozinha no quarto vazio,
Deixa cair uma chuva de lágrimas.
(tradução de Cecília Meireles)
II. Rosa vermelha
A esposa do guerreiro está sentada à janela,
De coração aflito borda uma rosa branca numa almofada de seda.
Picou-se no dedo! Seu sangue corre na rosa branca que se torna [vermelha.
Seu pensamento vai ter com o seu amado que está na guerra
E cujo sangue tinge, talvez, a neve de vermelho.
Ouve o galope de um cavalo. Chega enfim o seu amado?
É apenas o coração que lhe salta com força no peito...
Curva-se mais sobre a almofada e borda com prata
As lágrimas que cercam a rosa vermelha.
(tradução de Cecília Meireles)
III. Ausência
A fina lua é pálida à distância...
Eu perco-me sozinha nos trabalhos,
as canseiras do meu lar.
Tomara que o vento e suas longas asas
não tombe no esquecimento o duro outono.
O meu coração está na fronteira.
Quando estará vencido o inimigo
E poderei enfim ter nos braços, apertado,
O meu esposo querido, que a distante guerra
Roubou às flores do meu jardim de amor?
(Adaptado por Pedro Belo Clara a partir da tradução de Francisco Carvalho e Rego)
Li Bai (701 - 762)
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016
Quatro (breves) canções de camponeses
I. Arrozal de madrugada
Às quatro da manhã, arranco
ervas daninhas do arrozal.
Mas que é isto: orvalho do campo,
ou lágrimas de dor?
II. Lírio
O corpo deitado do meu amante,
vi-o eu esta manhã:
na planície do quinto mês,
um lírio aberto!
III. As três claridades
A Lua a leste,
a oeste as Pléiades,
o meu amado
ao meio.
IV. Amor mudo
Ardendo de amor, as cigarras
cantam: mais belos porém são
os pirilampos, cujo mudo amor
lhes queima o corpo!
Poemas anónimos, de período incerto. (*)
(Tradução de Herberto Helder, in "O Bebedor Nocturno" (Assírio & Alvim, 2013)).
(*) Trata-se de um conjunto de quatro canções japonesas de entoação popular, provavelmente escritas por mãos que laboravam no seio desta classe, daí a designação "de camponeses". Nada sabemos, ao certo, sobre quem as escreveu, e somente as circunstâncias de tal escrita poderão ser superficialmente decifradas na sua leitura. Em todo o caso, não fogem ao cariz depurado e singelo que as composições orientais (neste exemplo, japonesas) tendem a apresentar, uma subtileza de sentido e uma condensação de forma que as tornam deveras originais.
Independentemente do tempo que terá passado desde a sua criação, é notório como os sentimentos de base mais humana não registaram grandes alterações com o passar dos séculos, evidência essa bem capaz de aproximar gerações sem qualquer contacto prévio, dada a sua raiz comum - humanidade.
Se na primeira canção se antevê a sua provável criação por um humilde trabalhador dos arrozais, que sublimemente confunde o orvalho da manhã com as lágrimas da sua dor, aparentemente incógnita, as demais versam sobre o sentimento mais universal de todos: o amor. Embora, sublinhe-se, não se conheça qualquer tipo de ligação autoral entre elas.
As referências corporais presentes na segunda canção evoluem e, na terceira, temos já uma noção da "aura" da pessoa amada na visão do amador, uma das três claridades que aí se observam. A quarta e última canção, um pouco mais filosófica, parece remeter para o silêncio dos amores contidos, proibidos ou platónicos, cuja força é totalmente capaz de consumir quem encerra tal chama - claramente personificado pela presença dos pirilampos. É uma visão arguta sobre o amor e seus amantes o que nos oferece o último texto desta nossa publicação. O demais, como convém, ficará ao cargo da livre interpretação do leitor.
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