I.
Ao romper do dia,
à conversa com as flores,
uma mulher só.
II.
Paz e silêncio -
vinda da chuva, a borboleta
entra no meu quarto.
III.
Fim de Primavera -
num conjunto de artemísias
há ossos humanos. ¹
IV.
Bonecas sempre iguais -
eu não tive outro remédio
senão envelhecer.
V.
Grito de faisão -
ressoando na montanha,
a voz do silêncio. ²
Enomoto Seifu (1732 - 1815) ³
(Versões de Luísa Freire in "O Japão no Feminino - Haiku, séculos XVII a XX", Assírio & Alvim, 2007)
(1) Este haiku terá sido escrito algures entre 1782 e 1787, durante um período de grave escassez de alimentos no Japão, o que originou o registo de diversas mortes, especialmente nas camadas socialmente mais expostas.
No seu haiku, Enomoto dá a entender que durante um passeio dado no fim de uma primavera daquele período ter-se-á deparado com um conjunto de ossos humanos sob uns arbustos, provavelmente os restos mortais de alguém que, abandonado à sua sorte, não foi capaz de subsistir a um longo inverno.
(2) Enomoto compôs este haiku durante a sua estadia no templo Zen de Kamakura.
(3) Enomoto Seifu nasceu no seio de uma família de samurais, recebendo desde sempre a melhor educação possível. Contudo, somente após a viuvez é que desenvolveu verdadeiramente a sua arte poética, e sob a orientação de Kaya Shirao. Após a morte do mentor, seguiu uma via monástica.
Apesar da alta qualidade da obra que ia produzindo nesses anos, até à sua morte a mesma não era propriamente conhecida. Só depois do seu falecimento é que o filho de Enamoto decidiu publicá-la, e sob a epígrafe de "Os haiku da monja Seifu".
Para muitos críticos, Enomoto Seifu foi a mais importante poetiza do Japão pré-moderno no que à elaboração do haiku diz respeito, uma figura só capaz de rivalizar com a grandeza do mestre Bashô. Uma das suas principais inovações temáticas, segundo Makoto Ueda, é o intenso «desejo de um mundo transcendente de pureza e solidão», aspecto esse mais visível nos dois primeiros haiku aqui apresentados.
(Imagem do templo Komyoji em Kamakura)
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