Um rio corre sem parar, mas a água que corre nunca é a mesma. Aqui e ali na superfície tranquila, flocos de espuma aparecem e logo desaparecem. O mesmo se passa com os homens e os lugares onde habitam.
***
***
***
***
***
(Versões de Jorge Sousa Braga in "Hojoki - Reflexões da minha cabana", Komo No Chomei, Assírio & Alvim, 2021.)
(1) Nasceu em Shimokamo, no Japão, filho dum membro da hierarquia religiosa xintoísta do templo de Kamo, na cidade de Quioto.
Com apenas sete anos foi introduzido na corte imperial. Julga-se ter sido aí que descobriu e desenvolveu o seu amor pela poesia e pela música. Abandona-a, contudo, aos vinte anos, após a morte do pai. Como era tradição, teria de ocupar o lugar que pertencera ao progenitor falecido, mas intrigas na corte engendradas contra a sua pessoa acabariam por afastá-lo do seu direito inato.
Com a restauração da Ordem da Poesia, passa a integrá-la, desempenhando nela um papel deveras activo. Já depois dos trinta anos, realiza uma peregrinação ao santuário xintoísta de Ise, da qual resultará um diário de viagens - que somente em fragmentos chegará aos nossos dias.
Em 1204 converte-se ao budismo, adopta o nome de Ren-in (que significa "semente de lótus") e refugia-se numa montanha. É já na sua vida de eremita que resulta a obra donde estas reflexões foram retiradas, uma outra designada "Tratado Sem Nome" e diversos poemas e contos de teor budista.
A opção pessoal pela via do isolamento terá realmente incrementado a sua produção literária, mesmo que o próprio tenha admitido escrever poemas e compor canções pelo simples prazer da criação, mas dada a sua existência excepcionalmente atribulada não se poderá estranhar a decisão de cortar com o mundo e suas ilusões.
Não obstante já ter vivido num período histórico de grande instabilidade política e social, Kamo No Chomei experimentou na própria pele calamidades que praticamente nenhum outro homem vivenciará em conjunto numa só vida. Ora vejamos: um devastador incêndio em 1177, um tufão três anos depois, a grande fome de 1181 e 1182 e, por fim, um terramoto em 1185. De certa forma, sobreviveu a todas essas catástrofes, permitindo assim que o seu testemunho, e a mensagem que dele resulta, pudesse alcançar as gerações vindouras. Sem margem para dúvida, tais experiências marcaram bastante o seu trabalho escrito, estando na base da sua escolha por uma vida mais frugal, mais autêntica, em comunhão com a natureza e consigo mesmo, dedicada aos preceitos budistas de então.
O seu Hojoki, Reflexões da Minha Cabana, escrito no seu eremitério, oferece-nos uma escrita despojada e um variado conjunto de reflexões e conselhos sobre o mundo e o papel do homem no mesmo, assim como o seu testemunho de eremita. Tornar-se-ia um clássico incontornável da literatura japonesa.
Kamo faleceu na sua cabana de montanha aos sessenta e um anos de idade.
(Kamo No Chomei)
Sem comentários:
Enviar um comentário