sexta-feira, 12 de maio de 2023

CONSCIÊNCIA

 

Ontem,
Vivia confundido,
Vivia em ilusão.
Agora estou desperto,
Perfeito e sereno,
Para além do mundo.
 
A partir da minha luz,
O corpo e o mundo erguem-se.
Assim, todas as coisas são minhas,
Ou nada o é.
 
Agora que abdiquei
Do corpo e do mundo,
Possuo um dom especial:
Vejo o Ser infinito.
 
Como a onda,
Agitando-se espumosa,
É apenas água,
Assim toda a criação,
Fluindo a partir do Ser,
É somente o Ser.
 
Pensa num pedaço de tecido:
São apenas fios!
Assim toda a criação,
Se observares atentamente,
É somente o Ser.
 
Como o açúcar
Presente no suco da cana,
Eu sou a doçura
Presente em tudo o que fiz.
 
Quando se desconhece o Ser
O mundo desponta,
Não quando o Ser é conhecido.
Mas confundes
A corda com a serpente.
Quando vês realmente a corda,
A imagem da serpente desaparece.  
 
A minha natureza é luz,
E nada mais que luz.
Quando o mundo desponta,
Só eu brilho.
 
Quando o mundo brota em mim,
É apenas uma ilusão:
Água cintilando ao sol,
Um veio de prata em madrepérola,
A serpente na corda.
 
De mim o mundo flui
E em mim se dissolve,
Como a pulseira derrete-se em ouro,
O jarro desfaz-se em barro,
A onda reduz-se a água.
 
Eu adoro-me.
Quão maravilhoso sou!
Nunca poderei morrer.
O mundo inteiro poderá desaparecer,
De Brahma a uma folha de erva,
Mas eu permanecerei.
 
Quão maravilhoso, deveras!
Eu adoro-me.
Pois, tomando forma,
Ainda sou um.
Não vou nem venho,
E ainda assim estou em toda a parte.

Fantásticos
E grandiosos são os meus poderes!
Não possuindo forma,
Até ao fim dos tempos
Sustento o universo.
 
Maravilhoso!
Nada é meu
E, no entanto, é meu
Tudo o que seja pensado ou falado.
 
Não sou o conhecedor,
Nem o conhecido,
Nem o conhecer.
Estes três modos não são reais.
Apenas o aparentam ser
Quando o que sou não é conhecido.
Eu sou perfeito.
 
Dois a partir de um!
É esta a raiz do sofrimento.
Observa, apenas,
Que eu sou Um sem Dois,
Consciência pura, alegria pura,
E que o mundo inteiro é falso.
Não existe outro remédio!
 
Pela mão da ignorância
Imaginei, outrora, que estava preso.
Mas eu sou consciência pura;
Vivo além de todas as distinções,
Numa meditação inquebrável.
 
De facto,
Não estou nem preso nem livre.
O fim da ilusão!
É tudo infundado.
Pois a criação inteira,
Embora repouse em mim,
Existe sem fundamento.
 
O corpo é nada,
O mundo nada é.
Quando compreenderes isto verdadeiramente,
Como poderão eles ser inventados?
Pois o Ser é consciência pura,
Nada mais.
 
O corpo é falso,
E assim os seus medos,
O paraíso e o inferno, liberdade e escravidão.
Tudo não passa duma invenção.
O que poderão eles me importar?
Sou a própria consciência.
 
Vejo somente uma coisa:
Muitos Homens,
Uma só imensidão.
Então, a que poderei me apegar?
 
Não sou o corpo,
Nem o corpo me pertence.
Não sou algo separado.
Sou a própria consciência,
Preso apenas pela minha sede de vida.
 
Sou o oceano sem fim.
Quando os pensamentos irrompem,
O vento torna-se mais fresco,
E como ondas mil mundos despontam.
 
Mas quando o vento acalma,
O capitão afunda-se com o navio.
No oceano sem fim do meu ser
Ele naufraga,
E assim todos os mundos.
 
Mas, oh!, quão maravilhoso…
Eu sou as profundezas infinitas
Donde todas as coisas vivas
Despontam naturalmente,
Apressam-se, em alegria, umas contra as outras
E depois desvanecem.  





Ashtavakra (? - ?)













(Versão de Pedro Belo Clara a partir da tradução inglesa de Thomas Byrom in "The Heart Of Awareness - A Translation of the Ashtavakra Gita", Shambhala Dragon Editions, 2001)












"Aura",
de Bruce Rolff




1 comentário:

  1. Obrigado pela leitura e respectivo comentário, Lígia. Volte sempre que desejar.
    Beijos.

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