sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Quatro poemas de Ishikawa Takuboku


I.

De certo modo,
é como visitar o sepulcro 
de um primeiro amor
- este viver nos subúrbios.


II.

Renunciei ao mundo,
tão cheio de mácula.
E no entanto não há
outro lugar aonde ir.


III.

De súbito desperto,
cerrei os olhos, aliviado,
pensando na escuridão
no fim do meu sonho.


IV.

Como uma pedra,
rolando colina abaixo
- assim cheguei
ao dia de hoje.



Ishikawa Takuboku (1885 - 1912) (*)


(Versões de Pedro Belo Clara a partir das versões em inglês de Sanford Goldstein e Sheishi Shinoda, em "Sad Toys" (2000)). (**)





(*) Ishikawa Hajime nasceu em 1885 na província de Iwate, Japão, filho primogénito de um abade de templo budista. Publica na juventude alguns trabalhos sob o pseudónimo Hakuhin, o primeiro aos dezassete anos de idade, até por fim decidir-se por aquele que o imortalizará: Ishikawa Takuboku (Takuboku, curiosamente, significa "Pica-Pau").
Foi um ensaísta e poeta de grande renome no seio de um Japão que vivia intensas agitações sociais, tendo mesmo assistido ao início de uma guerra contra a Rússia. Contudo, há quem o veja como um novelista falhado, dado a pouca atenção que o público dedicou a esses seus projectos. No entanto, para a maioria, será mesmo um dos grandes mestres do tanka no país, apesar de o próprio ter confessado, em cartas e diários, o seu desprezo por essa forma literária - que até compunha com relativa frequência, facilidade e fluidez. Homem de grandes ideais, considerava o seu trabalho escrito como uma potente arma de intervenção social. Diria, a respeito: «O que eu procuro na literatura é o seu poder crítico». Terá sido provavelmente essa base ideológica que o levou a abandonar a escola do Naturalismo em prol do Socialismo, erguida ao patamar de "mote de vida" quando um grupo de simpatizantes desse modelo político foi condenado à morte pelo regime imperial vigente.
Os poemas que hoje aqui partilhamos foram todos retirados da obra Kanashiki Gangu ("Sad Toys", "Brinquedos Tristes"), um conjunto de 194 tanka publicado postumamente, em 1912. O nome escolhido é deveras interessante e significativo, dado que Takuboku considerava os tanka os seus "brinquedos tristes". E por uma dupla razão: por só os escrever quando assim se sentia e por considerá-los absolutamente inúteis para o bem da sociedade. Por isso o seu amigo e poeta Toki Aika, encarregado de os reunir e publicar, se decidiu por esse curioso título. Foi o seu segundo livro do género, depois de Ichiaku no suna, "Uma mão cheia de areia" (1910).
Por algumas das circunstâncias que já referimos, bem como pela proximidade da data do seu falecimento, este "Brinquedos Tristes" é um livro de carácter bastante pessimista e decadente, onde ao invés de se ocupar com questões ideológicas e sociais, o poeta vira o foco da atenção para a sua própria existência, conferindo à obra um vincado cariz intimista. Os poemas exalam uma melancolia obscura deveras inegável, uma desolação niilista, um negrume palpitante vivendo em cada verso lido. Na verdade, muitos dos poemas foram escritos durante o seu último ano de vida, um período que assinalou a morte da sua mãe, diversos conflitos com a restante família e amigos e episódios de uma notável pobreza material. Existiu ainda uma tentativa de assassinato do Imperador do Japão, sucedido esse que motivou Takuboku a mergulhar com afinco no seu trabalho literário por forma a poder contribuir para uma reforma social no país, mas a mesma doença que havia ceifado a vida da sua mãe, a tuberculose, e que viria a ceifar a de sua esposa no ano seguinte à sua morte, acabaria por pôr um fim aos seus planos quando tinha apenas vinte e seis primaveras vividas.
Na praia de Oomori, em Hakodate, lugar cuja beleza encantara o poeta, ergueu-se uma estátua em sua memória.


(**) Note-se que os poemas referidos são, para todos os efeitos, tanka, embora não estejam na sua tradução transpostos para os pressupostos dessa forma (cinco versos), que entretanto perdera a sua rigidez estilística nos tempos de Takuboku. Na verdade, a versão inglesa optou por não mantê-los, e até se compreendem as razões, dado que o autor era também ele versado num modo mais livre (jiyushi) de escrever poesia e tornou-se um dos reformuladores do tanka. Assim sendo, seguiu a versão portuguesa o mesmo caminho trilhado pelos seus tradutores ingleses, embora para beneficiar o ritmo dos poemas apresentados se tenha adoptado um diferente arranjo (em quadra). 









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