quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

A ÚNICA COISA QUE TENS DE FAZER


Há uma coisa neste mundo que nunca te deves esquecer de fazer.

Se te esqueceres de tudo o resto, mas não disto, não terás com que te preocupar, mas se te lembrares de tudo o resto, mas não disto, então nada terás feito na tua vida. 

É como se um rei te tivesse mandado a um país para cumprir uma tarefa, e fizesses mil outros serviços, mas não aquele que te mandou.

Também cada um dos seres humanos vem a este mundo para cumprir uma tarefa em particular.

Esse trabalho é o propósito, e cada um é específico para cada pessoa.

Se não o fizeres, é como se uma inestimável espada indiana fosse usada para fatiar carne podre. É uma taça dourada usada para cozinhar nabos, quando uma limalha da taça poderia comprar cem potes apropriados. É como uma faca da mais fina têmpera pregada à parede a servir de cabide.

Tu dizes: «Mas repara, estou a usá-la, não é inútil.» Ouves o quão ridículo isso soa? Por um cêntimo se pode comprar um prego. 

Dirás: «Mas eu gasto as minhas energias em projectos imponentes. Estudo filosofia, direito, lógica, astronomia e medicina.» Mas considera porque fazes essas coisas.

São todas ramos de ti próprio e do quão admirável és.

Lembra-te da profunda raiz do teu ser, a presença do teu Deus.

Dá-te àquele que já é dono do teu fôlego e dos teus momentos.

Se não o fizeres, serás como o homem que usa uma adaga cerimonial como prego para pendurar uma cabaça.

Estarás a desperdiçar a tua inestimável sagacidade e a esqueceres-te da tua dignidade e do teu propósito.






Rumi (1207 - 1273)







(Tradução de José Luís Nunes Martins in "Rumi, Sabedoria Intemporal", Farol, outubro de 2019.)













(A estátua de Rumi em Buca, Turquia)


2 comentários:

  1. Nós,cristãos ( no meu caso), participamos desta filosofia quando sabemos que Deus tem um projecto para cada um de nós humanos. Projecto este irrepetível. Se não correspondermos a este projecto , fica um "buraco negro" que jamais nenhum outro ser cumprirá. Nada é inútil no Universo e se o útil potencial não for cumprido, fica este "pecado" de omissão. Ou seja: mesmo que pensemos o contrário, não somos livres, onde o livre arbítrio tem o seu espaço também...

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    1. Sim, meu amigo, é bem visto e creio que se adequa bem ao que este poeta persa, um místico, quis transmitir.
      Cada ser é único, embora tenha uma raiz em comum. Nunca houve nem haverá um ser idêntico a um certo indivíduo, ele próprio uma manifestação divina no campo da existência universal. Faz-me lembrar uma das mais belas expressões que já escutei: "Tudo não passa dum grande monólogo divino". Rumi aponta a isso, à verdadeira origem de tudo, e sugere que nós, Homens, a ela nos entreguemos - como acto de fé, de capitulação de ego, de abnegação de desejos sempre mesquinhos («Dá-te àquele que já é dono do teu fôlego e dos teus momentos.»).
      Poderá haver destino para a pessoa, sim... Mas ao Deus que habita em cada um, sendo sempre o mesmo, haverá destino que se lhe escreva? Rumi abre o véu, lentamente, e relembra o divino que há em tudo («Lembra-te da profunda raiz do teu ser»). Falhar a vida, digamos assim, é apenas passar pela experiência terrena e dela sair sem se saber que na verdade é. Infelizmente, é como quase todos nós ainda vivemos: como mendigos esquecidos que são reis. E a fantasia prolonga-se por séculos e séculos...
      Meu amigo, um abraço e obrigado!

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