O calor do dia e a frescura do entardecer são coisas simples e elementares, mas é limitada a poesia que nelas reside. O mesmo se passa com a chuva, pesada e monótona, e que no entanto transfigura tudo, mesmo o coração do homem.
O cuco é um pássaro migratório que chega ao Japão no início da primavera. É bastante mais pequeno que um pombo, de cor cinzenta escura no dorso, e clara no ventre. Vive na profundeza das montanhas e põe os ovos no ninho do uguisu. O seu canto nocturno evoca tanta melancolia, que é como se sangrasse pela boca enquanto canta. Na verdade, o interior da sua boca é vermelho de sangue.
O verão é a estação dos insectos. Os pirilampos e as cigarras confundem-se com as moscas, mosquitos, pulgas e piolhos. A ternura budista envolve-os numa atmosfera de humor. A peónia é a flor desta estação, o símbolo da glória do homem e da natureza.
🌞🌞🌞
I.
As cigarras cantam
sem saberem que é a morte
que as escuta
II.
Com relutância
emerge a abelha
do coração da peónia
III.
Escondido sob a folhagem
mesmo o apanhador de chá pára
para escutar o cuco
IV.
Silêncio:
as cigarras escutam
o canto das rochas
V.
Num atalho da montanha
sorrindo
uma violeta
VI.
De tanto cantar
não resta da cigarra
senão a sua casca
Matsuo Bashô (1644 - 1694)
(Versões de Jorge Sousa Braga in "O Gosto Solitário do Orvalho - seguido de "O Caminho Estreito", Assírio & Alvim, 2003.)
Mestre...
ResponderEliminarConcordo em absoluto =)
EliminarMuito obrigado pela visita.
Até breve.