segunda-feira, 21 de junho de 2021

VERÃO (seguido de seis haikus condizentes com a estação)


O calor do dia e a frescura do entardecer são coisas simples e elementares, mas é limitada a poesia que nelas reside. O mesmo se passa com a chuva, pesada e monótona, e que no entanto transfigura tudo, mesmo o coração do homem.

O cuco é um pássaro migratório que chega ao Japão no início da primavera. É bastante mais pequeno que um pombo, de cor cinzenta escura no dorso, e clara no ventre. Vive na profundeza das montanhas e põe os ovos no ninho do uguisu. O seu canto nocturno evoca tanta melancolia, que é como se sangrasse pela boca enquanto canta. Na verdade, o interior da sua boca é vermelho de sangue.

O verão é a estação dos insectos. Os pirilampos e as cigarras confundem-se com as moscas, mosquitos, pulgas e piolhos. A ternura budista envolve-os numa atmosfera de humor. A peónia é a flor desta estação, o símbolo da glória do homem e da natureza. 



🌞🌞🌞



I. 

As cigarras cantam
sem saberem que é a morte
que as escuta


II.

Com relutância
emerge a abelha
do coração da peónia


III.

Escondido sob a folhagem
mesmo o apanhador de chá pára
para escutar o cuco


IV.

Silêncio:
as cigarras escutam
o canto das rochas


V.

Num atalho da montanha
sorrindo
uma violeta



VI.

De tanto cantar
não resta da cigarra
senão a sua casca






Matsuo Bashô (1644 - 1694)













(Versões de Jorge Sousa Braga in "O Gosto Solitário do Orvalho - seguido de "O Caminho Estreito", Assírio & Alvim, 2003.)















(Autor desconhecido)




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