quarta-feira, 28 de outubro de 2015

ELEGIA PARA OS MEUS FUNERAIS



Se há nascimento, tem de haver morte;
acabar cedo não significa vida breve.
A noite passada era ainda um homem,
esta manhã apareço na lista dos mortos.

A minha forma está numa caixa,
um leito côncavo de madeira;
mas por onde vagueia o meu espírito?

Os meus filhos choram a morte do pai;
os meus amigos, o desaparecimento do companheiro.
Não mais o fardo de perder ou ganhar,
não mais distinguir o certo do errado.

Nos próximos mil outonos, daqui a dez mil anos,
quem recordará minhas honrarias e fracassos?
O único desgosto que levo desta vida
é não ter bebido até saciar o coração.


Tao Yuanming (365 - 427) (*)




(Adaptado por Pedro Belo Clara da tradução de António Graça de Abreu in "Quinhentos Poemas Chineses", Nova Vega, 2014).





(*) Nascido em Jiujiang, Tao Qian, maioritariamente conhecido por Tao Yuanming, cresceu numa família de oficiais e letrados, embora em moderada pobreza. Apesar do benefício da sua educação, e tendo trabalhado ao serviço do estado por mais de dez anos, retirou-se da vida activa perto dos quarenta anos de idade. Uma frase sua tornar-se-ia famosa para a eternidade: «não me ajoelharei como um criado por cinco punhados de grão». 

Cansado das sórdidas cenas políticas de então, preferiu a companhia da família, da Natureza e dos simples prazeres da vida - nomeadamente o vinho, como por esta elegia se poderá constatar sem que um bem humorado sorriso se não esboce. 
Toda a sua vida foi praticamente vivida nos últimos anos de governação dos Dezasseis Reinos (ou Estados), um tempo de domínio estrangeiro na China antiga. Embora essa era se revelasse pobre sob o ponto de vista da produção poética, Yuanming foi de longe o seu poeta mais importante, para muitos o melhor poeta entre os quatrocentos anos que separam as dinastias Han e Tang.
Tendo sido um período marcado por agitações políticas, muitos poetas optaram por se exilar em zonas rurais, tendo até outros seguido uma via eremita. Naturalmente, os seus trabalhos passaram a reflectir paisagens e estilos de vida condizentes, pelo que se dirá que a escola de nome "Campo e Jardim" terá assim sido fundada. Considera-se Yuanming um dos seus aderentes, embora nos seus trabalhos também se incluam ensaios e homenagens a entes queridos.
Muito depois da sua morte seria reverenciado pelos imortais Li Bai e Du Fu.











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