terça-feira, 10 de maio de 2016

INTERMINÁVEL AMOR



Parece-me que te amei de inúmeras maneiras, inúmeras vezes, 
Na vida após vida, em eras após eras eternamente. 
O meu coração enfeitiçado fez e voltou a fazer o colar das canções
Que tomaste como uma prenda, usando-o à volta do pescoço de    [tantas e tantas formas.

Na vida após vida, em eras após eras eternamente. 
Sempre que oiço as antigas crónicas do amor, a sua antiga dor, 
O seu antigo conto de estar só ou acompanhado, 
Quando contemplo o passado, no fim tu apareces 
Vestida com a luz da Estrela Polar que trespassa a escuridão do    [tempo: 
Tornas-te uma imagem do que é recordado sempre.

Tu e eu flutuámos aqui na corrente que traz da nascente 
Para o coração do tempo o amor de um pelo outro. 
Representámos lado a lado milhões de amantes, partilhando 
A mesma tímida doçura do encontro, as mesmas amarguradas    [lágrimas do adeus - 
Antigo amor, mas renovando-se e renovando-se sempre.

Hoje ele acumulou-se aos teus pés, encontrando o seu fim em ti, 
O amor de todos os dias, de todos os homens, do passado e de    [sempre: 
Universal Alegria, universal mágoa, universal vida, 
As recordações de todos os amores surgindo com este nosso amor - 
E as canções de todos os poetas do passado e de sempre.




Rabindranath Tagore (1861 - 1941) (*)



(Tradução de José Agostinho Baptista, "Poesia, Rabindranath Tagore", Assírio & Alvim, 2004).




(*) Tagore é certamente um dos poetas mais inspirados que a Índia conheceu. Terá começado a sua actividade artística com apenas oito anos de idade. Aos dezasseis publicaria o primeiro livro, mas sob pseudónimo. 
Nascido em Calcutá, no seio duma família abastada, estudou Direito em Inglaterra antes de regressar às origens para administrar as propriedades do seu pai. Vivendo de perto todos os tumultos que aquele país atravessou na conquista da sua independência do domínio britânico, acabou por tomar partido em diversas iniciativas nacionalistas. Em 1920, inclusive, chega a liderar o movimento de libertação indiano após a morte de Tilak, o anterior líder.
Além do exposto, a sua vida preencheu-se de viagens em torno do mundo e de encontros com personalidade de proa na época, como Einstein ou Gandhi. Terá até sido Tagore quem apelidou este último de "Mahatma", ou seja, "Alma Grande", fruto da profunda admiração que por ele nutria. 
Fundou também uma instituição de ensino com orientação filosófica. Contudo, a sua vida familiar registaria diversos abalos, dado que poucos indivíduos, em vida, terão assistido à morte de três filhos e do seu único neto.
Se a sua prosa inclina-se mais para assuntos de índole humanista, a poesia de Tagore exala uma voz deveras original e marca-se, essencialmente, por uma busca pelo transcendente e por uma ânsia profunda de comunhão com o divino. Dotada de uma musicalidade ímpar, não fosse Tagore também um músico, os seus versos amiúde se perfumam por uma aguçada sensibilidade e apelo ao belo. O lirismo dos mesmos e uma intensa noção contemplativa são, assim, dois factos inegáveis a ela inerentes. 
Escreveu o hino nacional de dois países, Índia e Bangladesh. Mais tarde na sua vida dedicou-se à pintura. Ao nível artístico, concretizou profundas reformas na arte bengali graças à sua visão e abordagem inovadoras, com as quais rompeu as rígidas estruturas clássicas então vigentes.
Foi Prémio Nobel da Literatura em 1913, o primeiro asiático a receber essa honra. Anos depois, rejeitaria o título de "Sir", outorgado pela coroa britânica, como protesto contra a ocupação inglesa no território. 
Faleceu em 1941, nove anos antes da Índia ser proclamada República. 












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