quinta-feira, 12 de maio de 2016

Três breves poemas de Li Shang-Yin


I. Exílio

Um dia de primavera no fim do mundo.
No fim do mundo, de novo o dia passa.
O melro chora, como se fossem as suas lágrimas
Que molham os ramos cimeiros das árvores.


II. Dia após dia

Dia após dia, a glória da primavera rivaliza com a glória do sol.
As estradas que serpenteiam até à cidade na colina cheiram a flores    [de amendoeira.
Quanto tempo até que os fios do coração, livre de cuidados,
Flutuem, como a alfazema, por longa distância.


III. Os túmulos Lo-Yu

Com sombras de crepúsculo no coração,
Passeio por entre os túmulos Lo-Yu
Para ver o sol, em toda a sua glória,
Sepultado pela noite que chega.


Li Shang-Yin (812? - 858) (*)




(Tradução de José Alberto Oliveira em "Chuva na Primavera e Outros Poemas", Assírio & Alvim, 2001)







(*) Li Shang-Yin viveu nas décadas finais da dinastia Tang, período áureo da poesia chinesa, ou não desse ela a conhecer o trabalho de figuras como Li Bai, Wang Wei ou Du Fu - simplesmente os maiores nomes de sempre da história poética chinesa. Apesar de tudo, a época que a vida do poeta hoje proposto atravessou ficou marcada por diversas incidências políticas, ainda no rescaldo na revolta de An Lushan. Era o tempo dum nítido declínio, tanto político como económico, da outrora majestosa dinastia.

Ao serviço da corte imperial, o poeta alcançou um sucesso moderado no desempenho das suas funções. Nunca um alto cargo lhe fora outorgado, mas não se pense que tal se ficou a dever às parcas qualidades e competências deste inspirado artista. Disputas faccionais sempre impediram que tal acontecesse, bem como a sua associação a Liu Fen, um oponente político de destaque à época.
Contudo, e à semelhança dos grandes poetas que laurearam o período em causa, Li Shang-Yin não defraudaria os registos daquela gloriosa era para a literatura chinesa. Dono de uma voz intensamente original, a sua poesia é essencialmente adornada por elementos meramente alusivos, um cariz marcadamente abstracto que torna cada poema seu um autêntico desafio de tradução. As implicações filosóficas que muitos apresentam, bem como biográficas e até da actualidade política de então, transmitidas muitas vezes por meios obscuros, só incrementam essa dificuldade. 
Ao nível das temáticas, tanto os aspectos românticos da existência, a sátira e o humor foram alvo do seu trabalho. As imagens densas e, como dissemos antes, amplamente abstractas ainda hoje assombram qualquer conterrâneo seu. 
Apesar de poder ser considerado um "poeta difícil", Li Shang-Yin foi sem dúvida um autor diversificado e capaz de produzir poemas em diferentes estilos. A título de exemplo, como que atestando a qualidade do seu trabalho, os "poemas sem título" são hoje considerados pela crítica competente como "pura poesia". Durante o século XX foi, por tudo isto, um dos poetas mais amplamente redescobertos pelo leitor chinês, considerando também a modernidade de certas técnicas suas de produção poética.
A selecção aqui reproduzida, contudo, graças à sua brevidade, permite somente um mergulhar nas imagens poéticas produzidas sem grande dificuldade de entendimento. Um modo acessível, assim nos pareceu, de introduzir a leitura deste talentoso poeta.  








Sem comentários:

Enviar um comentário