quarta-feira, 19 de abril de 2017

Um de "Os cinquenta poemas do ladrão de amor"



Mesmo agora   se a visse de novo
A essa rapariga de olhos de lótus
O corpo soçobrando devido ao peso dos seios
Estreitá-la-ia entre os meus braços
E beberia da sua boca como um louco
Como uma abelha insaciável   sugando uma flor



Bilhana Kavi (séc. XI) (*)





(Versão de Jorge Sousa Braga a partir das traduções em línguas ocidentais da versão comum no norte da Índia, in "Os Cinquenta Poemas do Amor Furtivo (e outros poemas eróticos da Índia antiga)" - Assírio & Alvim, 2004)




(*) Trata-se de um poeta nascido em Caxemira, Índia, no século XI da nossa era, ao qual se atribui a autoria deste Caurapankasika, ou "Os cinquenta poemas do ladrão de amor", donde se retirou este que hoje aqui se partilha - o terceiro de cinquenta, conforme o organiza a versão portuguesa, dado que se trata, na verdade, da terceira estrofe de um só poema, composto por cinquenta estrofes. 
Segundo a lenda, o Rei Madanabhirama elegeu Bilhana como preceptor de sua filha, mas o relacionamento de ambos cedo escalou para algo de mais íntimo e intenso. Descoberto o crime, Bilhana foi encarcerado e condenado à morte por empalamento - embora neste ponto os relatos divirjam, pois em certas versões o poeta é condenado à forca e, noutras, ao exílio. Uma facção dessas histórias refere que a presente obra terá sido escrita em sânscrito na prisão, enquanto Bilhana aguardava o seu julgamento; outras, nitidamente carregadas de um maior fôlego poético, afirmam que as estrofes terão sido declamadas enquanto o poeta subia, um por um, os cinquenta degraus que o levariam ao cadafalso, compondo assim um poema (ou estrofe, como vimos) por degrau. Segundo esta versão, a beleza dos versos nascidos desse tão inspirado improviso era tal que a própria deusa Kali, uma manifestação da deusa Parvati, esposa de Shiva, intercedeu junto do Rei para que a condenação não fosse levada a cabo.
Independentemente do que terá realmente acontecido, já que a ausência de provas claras levou ao incremento de versões fantasiosas sobre o nascimento deste longo poema, a verdade é que o Caurapankasika é uma das obras mais populares da Índia antiga, preservada pela tradição oral, o que justifica os diversos manuscritos a respeito existentes, não só elaborados em diferentes línguas como com desenlaces distintos entre eles. 
Foi o primeiro trabalho literário de origem hindu a ser traduzido para uma língua europeia - no caso o francês, em 1848.











sexta-feira, 7 de abril de 2017

CANÇÃO XVII (excerto)


O mundo inteiro realiza as suas obras
e comete os seus erros,
mas poucos são os amantes
que conhecem o Amado.

O indagador devoto 
é aquele que em seu coração 
une o fluxo do amor e do desapego,
como se unem os rumos
do Ganges e do Jumna. (1)

No seu coração, a sacra água 
fluirá de dia e de noite.
E, assim, a sucessão 
de nascimentos e mortes
conhecerá o seu fim.





Kabir (1440 - 1518)



(Versão de Pedro Belo Clara a partir da versão inglesa de Rabindranath Tagore in "Songs of Kabir", 1915).





(1) Dois dos sete rios sagrados da Índia, sendo o Jumna, ou Yamuna, um afluente do famoso Ganges.









(Gravura de Samsara, a "Roda de Nascimentos e Mortes")